sábado, 5 de junho de 2010

O POVOAMENTO DE PELOTAS (4)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla


Sesmaria de São Tomé




De acordo com a historiografia pelotense, esta Sesmaria tem o seguinte histórico: seu primeiro proprietário foi Antônio dos Santos Saloyo, que, e não se sabe quando, vendeu a “Manuel Moreira de Carvalho” e sua mulher, Maria dos Anjos da Encarnação. E que estes, “em 18 de dezembro de 1787” fizeram venda, “a Alexandre da Silva Baldez, da metade da Estância que houveram por compra [...]”, “e a outra parte a Francisco Araujo Rosa”. Também é dito que “no dia 20 de abril de 1799” teria, o Capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos, comprado a parte de Francisco Araujo Rosa.
No Arquivo que consultamos, encontramos três documentos relacionados a esta Sesmaria.
A solicitação da Carta de Sesmaria feita por Manoel Moreira de Carvalho, diz: “Ilmo. e Exmo. Sr./Diz Manoel Moreira de Carvalho, que ele tem povoado com casas, currais, cercas, arvoredos, lavouras, animais vacuns e cavalares, uns campos, que partem pela parte do Norte com os confinantes Felix da Costa Furtado e José da Silva Lumiar; pela do Sudeste, com o Arroio Chamado Santa Bárbara; pela do Oeste, com Alexandre da Silva Valdez; pela do Sul, com o Rio São Gonçalo; e pela do Leste, com banhados do sobredito José da Silva [Lumiar]. Em os quais campos haverá pouco mais ou menos três léguas de comprido e uma de largo. E porque quer possuir com justos títulos os referidos campos, pede a V. Exª. seja servido mandar passar Carta de Sesmaria, e com ela seguir-se a confirmação de Sua Majestade”.
Nesta solicitação havia um único despacho, o do Vice-rei: “Informe o Sr. Marechal Governador do Rio Grande, ouvindo por escrito a Câmara e o Provedor da Fazenda Real. Rio, 9 de abril de 1793”.
E isto é todo o encontrado. Acreditamos que o restante da documentação, foi extraviada.
Quanto a Alexandre da Silva Valdez, e não Baldez, podemos acrescentar o que segue: “Luiz de Vasconcelos e Souza, do Conselho de Sua Majestade, Vice Rey e Capitão General de Mar, e Terra do Estado do Brasil & Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que atendendo a representar-me Alexandre da Silva Valdez, que ele tinha povoado com Casas, Currais, Cercas, Moinho de água, e número de animais Vacuns e Cavalares, uns Campos no Continente da Vila de Rio Grande, os quais terão de comprido duas léguas, pouco mais ou menos, e três quartos de légua, também pouco mais ou menos, de largo. E principiavam em um Cotovelo, que forma o Arroio São Tomé a procurar o passo que vai para a Estância do Confinante Coronel Rafael Pinto Bandeira, e do dito passo, cortando-se linha reta por cima de uma Coxilha, que vai ao Passo dos Carros, no Arroio de Pestana, e deste à extrema do Confinante José da Silva e à Serra que vai correndo, e com que ficam tapados os Campos, que o Suplicante têm povoado. E porque os queria possuir com justo título: Me pedia lhe mandasse passar sua Carta de Sesmaria, para com ela obter a Confirmação de Sua Majestade, e sendo visto o seu Requerimento e a informação da Câmara e do Provedor da Fazenda Real do Rio Grande, aos quais se não ofereceram dúvidas, hei por bem dar de Sesmaria em nome de S. Majestade em virtude da Ordem da mesma Senhora, de quinze de junho de mil setecentos e onze, ao dito Alexandre da Silva Valdez, uns Campos, que terão de comprido duas léguas de terra, pouco mais ou menos, e três quartos de légua, também pouco mais ou menos, de largo, na parte acima declarada com as confrontações expressadas, sem prejuízo de terceiro ou de direito que alguma pessoa tenha a ela, com declaração que as cultivará e mandará confirmar esta minha Carta por S. Majestade, dentro de dois anos. E não o fazendo, se lhe denegará mais tempo, antes de tomar posse delas, as fará medir e demarcar judicialmente, sendo para este efeito notificadas as pessoas com quem confrontar, e será obrigado a conservar os Tapinhoões e Perobas que se acharem nesta data para outro algum uso, que não o seja a construção das Naus da mesma Senhora [...]. Pelo que mando ao Ministro, ou Oficial de Justiça, a que o conhecimento desta pertencer, de posse ao dito Alexandre da Silva Valdez das referidas terras, na forma acima declarada. E por firmeza de tudo lhe mandei passar a presente por mim assinada com o Sinete das minhas Armas, que se cumprirá, como nela se contém, e se registrará nesta Secretaria do Estado e mais partes, a que tocar, e se passou por duas vias. Dada nesta Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. José Pereira Leão a fez no primeiro de dezembro de mil setecentos e oitenta e nove. E o Secretário do Estado, Thomaz Pinto da Silva, a fez escrever. Luiz de Vasconcelos e Souza”.
Abaixo, na Carta, tem o seguinte texto: “Carta por que V. Exª. há por bem conceder Sesmaria em Nome de S. Majestade a Alexandre da Silva Valdez, uns Campos que terão de comprido duas léguas de terras, pouco mais ou menos, e três quartos de légua também pouco mais ou menos de largo, em parte e forma acima declarada. Para V. Exª. ver. [Rubrica]”.
Nesta Carta de Sesmaria, há os seguintes despachos e anotações: “Registrada no Livro 38, que serve de Registro Geral nesta Secretaria do Estado, a fls. 427. Rio, 1º de dezembro de 1789. Thomaz Pinto da Silva”.
Outro, do Governador do Continente: “Cumpra-se este Registro. Porto Alegre, 13 de novembro de 1794. Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara”.
Um outro, constando que foi “Registrada na Procuradoria. Porto Alegre, 13 de novembro de 1794. Ignacio Pereira”.
E por último, “Registrada no Livro 7º do Registro Geral desta Provedoria a fl. 276. Porto Alegre, 18 de novembro de 1794. Francisco Roiz da Silva”.
Em meados do ano de 1816, Valdez, que até então não havia mandado medir e demarcar suas terras, solicitou Provisão do Lapso de Tempo para poder cumprir a determinação estabelecida em sua Carta de Sesmaria. E foi por isso que: “Dom João por Graça de Deus Rei do Reino Unido [...]. Faço saber aos que esta Provisão virem: que Eu hei por bem dispensar para que sem embargo do Lapso de Tempo, se passe Confirmação da Carta de Sesmaria que em primeiro de dezembro de mil setecentos e oitenta e nove se passou a favor de Alexandre de Silva Valdez [...]. Rio de Janeiro, aos cinco de agosto de mil oitocentos e dezesseis. [Assinaturas]”.
Trata então Valdez de dar prosseguimento ao processo: “Diz Alexandre da Silva Valdez que pela Provisão inclusa tem dispensa do Lapso de Tempo para a confirmação de sua Sesmaria. E porque para ultimar esta é necessário medi-la e demarcá-la, Pede a Vossa Majestade seja servido mandar passar Provisão para isso. E. Real Mercê”.
O despacho do pedido: “Passe Carta para o Juiz Sesmeiro. E na sua falta, para as Justiças Ordinárias. Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1816. [Rubrica]”.
Cumpridas as formalidades legais, coube ao Juiz das Sesmarias Francisco de Souza Maya dar andamento ao pedido de Medição e Demarcação da Sesmaria de Alexandre da Silva Valdez, cujo primeiro despacho foi: “Distribuída e autuada, proceda-se na Medição e demarcação requerida, com os Oficiais do Juízo. Para Ajudante da Corda, nomeio a José Maria Jorge, e para Louvados, nomeio José Ignacio Xavier e Francisco Fernandes de Siqueira, que serão notificados para prestarem juramento. E para dar princípio, designo o dia nove do mês corrente, citando-se os Ereos Confinantes [Lindeiros]. E que de tudo se passe Mandado. Distrito de Pelotas, cinco de setembro de mil oitocentos e dezoito. Maya”.
Neste mesmo dia, 5 de setembro, o Tabelião Joaquim José da Costa Campelo cumprindo o despacho do Juiz, na Fazenda “denominada de Nossa Senhora da Conceição, Distrito de Pelotas, [...], em casa do Capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos, onde eu Tabelião me achava em diligência de Medições, e sendo aí, pelo autor Manoel Ignacio Gomes [Logo veremos o porquê do Tabelião ter se referido a Manoel Ignacio Gomes, como autor] me foi apresentado o seu requerimento, Carta de Sesmaria e Provisão, [...]”. E neste mesmo local foram autuados e notificados os interessados na medição e demarcação das terras de Alexandre da Silva Valdez.

Alguns tópicos da Medição e Demarcação da Sesmaria de São Tomé

“Aos nove dias do mês de setembro de mil oitocentos e dezoito anos, nesta Fazenda do Autor, na Costa do Arroio chamado de Moreira, distrito de Pelotas, termo da Vila do Rio Grande de São Pedro, e no lugar do Passo dos Carros, aí foi vindo o Juiz das Sesmarias Francisco de Souza Maya, comigo Tabelião ao diante nomeado e mais pessoas presentes, pelo Juiz foi deferido o juramento dos Santos Evangelhos a José Maria Jorge, que presente se achava, [...] do qual lhe encarregou, que bem e verdadeiramente servisse de Ajudante da Corda nesta Medição, guardando o serviço de Deus e do Soberano e Justiças às partes [...]”.
“[...] e presente o Piloto José Hipólito da Fonseca, a este encarregou o Juiz [...] e sendo pelo dito, ouvido, declarou estar nos termos e capaz de com ele se fazer a Medição [...]”.

Auto de Medição do 1º dia

“[...], e os louvadores informadores, José Ignacio Xavier e Francisco Fernandes de Siqueira, e o Pregoeiro José Ramos de Oliveira. Em dito lugar foi requerido pelo autor, Manoel Ignacio Gomes, que este era o Campo de sua posse, em o qual havia requerido Medição como cabeça de sua mulher, Thereza da Silva Valdez, em consequência da Sesmaria concedida ao primeiro marido da dita, Alexandre da Silva Valdez. E como este lugar era um que divisava seu Campo com os Ereos, Capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos e Manoel Alves de Moraes; e visto se acharem citados seus Ereos confinantes, requeria se lhe desse princípio a esta diligência [...]”.
A medição no primeiro dia foi encerrada no Passo chamado do Potreiro, sem oposição alguma por parte dos confinantes.

Auto de Medição do 2º dia

“[...] no lugar do Passo do Potreiro, onde havia parado a Medição do dia de ontem, e aí se achavam presentes [...], o qual mandou o Juiz seguir por ser por onde segue a divisa, e se largou o Arroio mais forte seguindo o dito galho e a divisa do Ereo Manoel Dutra da Silveira, e se largou com dito Arroio a divisa do Ereo Felix da Costa Furtado de Mendonça.
[...]. Ao dar quinze Sueste, quarenta braças até o Passo chamado das Tropas, em cujo lugar, por se acabar o dia, mandou o Juiz parar a Medição. [...]”.

O 3º e último dia da medição

“Aos onze dias do mês de setembro [...] nesta Fazenda do autor e na margem do Arroio São Tomé, Distrito de Pelotas [...], pelo Juiz foi ordenado que seguissem a Medição. [...] se mediram mil duzentas e trinta e cinco braças até o Marco primordial desta Medição, ficando no Passo dos Carros, no Arroio Moreira, ou Pestana, se deu por finda a dita Medição. [....]”.
As confrontações estabelecidas nos Autos de Medição e Demarcação foram as seguintes: “Este campo se divide pelo Norte com o Arroio do Moreira, ou confinantes Antônio Pereira Bueno e Manoel Dutra da Silveira; pelo Leste, com linha e marcos, que divide o confinante Capitão-mor Antônio Francisco dos Anjos; e pelo Oeste, com duas vertentes que nascem do Boqueirão e deságuam, uma no dito Arroio São Tomé; e outra, no do Moreira ou Pestana. E dividem estas o confinante Manoel Dutra da Silveira [...]”.
Ao final da medição foi dito ter esta o total de 7.765.662 (sete milhões setecentos e sessenta e cinco mil e seiscentas e sessenta e duas) braças, o “que corresponde a superfície de uma légua quadrada, menos oitenta e cinco braças”.
Portanto, “Senhor/Diz Manoel Ignacio Gomes, por cabeça de sua mulher Thereza da Silva Valdez, viúva do falecido Alexandre da Silva Valdez, que pela Sentença e Mapa juntos, mostra estar medida e demarcada a Sesmaria da Carta inclusa, e por isso nos termos de se lhe dar Carta de Confirmação dela: pelo que Pede a V. Majestade, a Graça de mandar-lhe passar a Carta requerida. E. Real Mercê”.

Os Despachos:

“Haja vista o Procurador da Coroa. Rio de Janeiro, 27 de maio de 1819. [Rubrica]”.
O Procurador: “Deve apresentar a competente dispensa do lapso do tempo. [Rubrica]”.
Novo despacho: “Satisfaça e torne com vista o Procurador da Coroa. Rio de Janeiro, 7 de junho de 1819. [Rubrica]”.
Tendo o suplicante Manoel Ignacio Gomes, satisfeito e apresentado a dispensa do lapso de tempo, recebeu um novo despacho: “Tem o aviso de dispensa da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. Rio, 20 de maio de 1820. [Rubrica]”.
E por fim: “Passe Carta de Confirmação. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1820. [Rubricas]”.

Continua...
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Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, em 6 e 13 de junho de 2010.
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e atualizados pelos autores.