terça-feira, 1 de maio de 2012

Uma nova história sobre Pelotas

Segundo Caderno - ZEROHORA
Origens01/05/2012 | 16h28

Livro de Adão Monquelat e Valdinei Marcolla será lançado nesta sexta-feira


Joice Bacelo - joice.bacelo@zerohora.com.br

Prestes a completar 200 anos, Pelotas ganha mais um livro sobre suas origens históricas. Desfazendo Mitos apresenta como precursor da fabricação do charque no Estado um personagem do escritor Simões Lopes Neto até então tratado como uma criação literária.
O livro de Adão Monquelat e Valdinei Marcolla será lançado em Pelotas na sexta-feira.
Eternizado em Contos Gauchescos, o sesmeiro João Cardoso – protagonista do texto O Mate do João Cardoso – é desvelado agora como uma figura real, alçada à condição de um dos pioneiros da produção de charque.
A afirmação parte da pesquisa, feita pelos autores de Desfazendo Mitos, que durou mais de 10 anos e tem como base documentos oficiais da época, como correspondências enviadas por João Cardoso ao então mandante da Fronteira do Rio Grande – confirmando que o personagem de Simões Lopes era, de fato, dono de terras e escravos nas margens do Rio Piratini, próximo a Pelotas, onde a indústria saladeril se tornou a alavanca da economia gaúcha.
Até a descoberta, considerava-se que o pioneiro na fabricação do charque era José Pinto Martins, um português que teria desembarcado em Pelotas para fugir da seca no Ceará, entre os anos de 1777 e 1780.
Essa história foi contada em uma revista lançada em comemoração ao centenário de Pelotas, em 1912 – e até hoje é reproduzida por historiadores da cidade. O curioso é que, entre os autores da revista que deu origem à história, estava João Simões Lopes Neto, o mesmo que criou o personagem João Cardoso.
– O próprio Simões nos deu a pista da história. O João Cardoso pioneiro do charque tem as mesmas características do João Cardoso de Contos Gauchescos, só que, quando o autor criou o personagem, não sabia que o dono de terras e escravos também era o precursor do charque – diz Monquelat.
As charqueadas da região de Pelotas movimentaram o primeiro ciclo econômico do Estado. Por ano, eram abatidas 400 mil cabeças de gado. Em 1873, auge dos negócios, havia cerca de 40 estabelecimentos produzindo charque em escala industrial. Na história contada até hoje, a Vila de São Francisco de Paula, que deu origem a Pelotas, teria sido formada a partir do desenvolvimento da indústria saladeril, o que também é contestado em Desfazendo Mitos.
Os autores garantem que, bem antes disso, por volta de 1776, quando os portugueses retomaram o território que estava em posse dos espanhóis, agricultores de Rio Grande teriam migrado para a cidade, fazendo com que a origem de Pelotas fosse o agropastoreio e não a produção de charque.
Obcecado pela origem da cidade, Monquelat sempre procurou desconstruir mitos. Ele tem outros seis livros da história de Pelotas em andamento e já lançou outros quatro antes da publicação que está saindo agora. Na internet, mantém um site sobre o tema: www.povoamentopelotas.blogspot.com.

SERVIÇO:
Desfazendo Mitos
De Adão Monquelat e Valdinei Marcolla
História. Editora Livraria Mundial, R$ 30.
Sessão de autógrafos sexta-feira, a partir das 18h, na Livraria Mundial, no calçadão da Rua 15 de Novembro, no Centro Histórico de Pelotas.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

JOSÉ PINTO MARTINS, UM CHARQUEADOR COMO TANTOS*




A. F. Monquelat
V. Marcolla


Atualmente sabe-se que Pelotas não foi a pioneira no estabelecimento da indústria saladeiril no Continente de São Pedro; tal primazia, por ora, cabe ao atual município de Arroio Grande.
Demonstrou-se sobejamente que a João Cardoso da Silva, e não a José Pinto Martins, se deve tal iniciativa. Ainda que não tenha sido a pioneira, é a Pelotas que o Rio Grande do Sul deve o desenvolvimento desta indústria. No entanto, afastada a ideia que até então havia, a de ter sido José Pinto Martins o fundador da indústria saladeiril no Continente de São Pedro, nos resta saber se, pelo menos, em Pelotas foi ele o pioneiro.
Em trabalho publicado no Diário da Manhã de 22 de janeiro do corrente ano, a página 15, disse a professora Zênia de León no primeiro parágrafo de seu artigo: “A vida econômica de Pelotas iniciou há bem mais de duzentos anos passados. Segundo recentes, bem vindas e benéficas pesquisas, que o resgate de verdades é infinito, antes de José Pinto Martins aqui ter chegado em 1777, já se trabalhava a carne salgada na região. Coube a ele, entretanto, a primazia no sítio charqueadista pelotense e a disseminação das charqueadas na região hidrográfica do rincão-arroios e canal de São Gonçalo”.
A autora de “200 Anos de Pelotas – A face de Pelotas que muitos viram” ao se referir as “recentes, bem vindas e benéficas pesquisas” que, embora não explicitadas pela articulista, em face dos aspectos tratados no parágrafo aqui reproduzido, são as nossas, realizadas e divulgadas, há anos, nos domingos, pelas páginas do DM, tornou a primeira representante da historiografia local a registrar, pela imprensa, o diálogo com uma nova concepção de história de Pelotas.
Relativamente à afirmação de que “A vida econômica de Pelotas [ter iniciado] há bem mais de duzentos anos”, vale dizer que a cidade, no período compreendido entre 1781 até o final do século XVIII teve sua incipiente economia, com mão de obra escrava, baseada no agro-pastoreio praticado nas sesmarias e datas concedidas aos “Cazaes” assentados nas terras do capitão Inácio Antônio da Silveira Cazado e do capitão-mor Manoel Bento da Rocha, pelo então governador da Província, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, nome este que deve ser lembrado como um dos vultos mais importantes para o surgimento e desenvolvimento de Pelotas.
Quanto ao português, natural de Meixomil, José Pinto Martins, já demonstramos documentalmente que aqui não estava em 1780, como até agora quis a historiografia, não só pelotense, e menos ainda esteve no ano de 1777, como apontou a redatora do artigo mencionado.
José Pinto Martins na data indicada pela autora, havia chegado a pouco no Brasil e estava transitando entre as cidades de Aracati, Mossoró, Recife e, para o Continente de São Pedro, é provável que tenha vindo nos anos 90 do século XVIII, como já o dissemos em artigo publicado sobre título de “José Pinto Martins e seus irmãos (3ª e última parte)”DM de 08 de janeiro de 2012, p. 13.
Considerando a afirmação feita pela professora Zênia de León, de que “Coube a ele [José Pinto Martins], entretanto, a primazia no sítio charqueadista pelotense a disseminação das charqueadas na região hidrográfica do rincão-arroios e canal São Gonçalo” temos a dizer o seguinte: se tal tivesse acontecido, que importância teriam as “recentes, bem vindas e benéficas pesquisas”? Ou melhor dito: da forma que a articulista expressou, fica entendido que José Pinto Martins é o pioneiro da indústria saladeiril na região, agravado ainda pelo fato de sua primazia ter ocorrido no ano de 1777, quando é quase unanimidade historiográfica o ano de 1780.
Mais incisivamente temos a acrescentar que a José Pinto Martins o Rio Grande do Sul nada deve do que incluí-lo na lista de nomes de centenas de outros charqueadores; a José Pinto Martins Pelotas e sua história nada mais têm a dizer que foi um dentre dezenas de outros charqueadores que aqui se estabeleceram. Além disso, diga-se que José Pinto Martins não esteve ou estava em Pelotas nos anos de 1777-1780.
Se não foi José Pinto Martins o primeiro a charquear, de forma não doméstica, nas terras que deram origem a cidade de Pelotas, a pergunta é: quem foi o pioneiro da indústria saladeiril pelotense?
Embora nossas pesquisas sobre tal assunto estejam em andamento, podemos hoje, grosso modo, dizer que o pioneiro da indústria saladeiril em Pelotas foi o proprietário da sesmaria do Monte Bonito, capitão Inácio Antônio da Silveira Cazado que, em tais terras e próximo a margem do arroio Santa Barbara estabeleceu uma charqueada com finalidade de comércio dos produtos ali fabricados, cuja indústria teve a denominação de “Charqueada do Santa Bárbara”, próxima da qual estabeleceu também uma Olaria.
Quando concluirmos a pesquisa sobre o capitão Inácio Antônio da Silveira Cazado e seus estabelecimentos, à margem do Arroio Santa Bárbara, voltaremos a tratar deste assunto.


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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 12 de fevereiro de 2012.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O POVOAMENTO DE PELOTAS (39)*




A. F. Monquelat
V. Marcolla


As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul

João Francisco Ferreira

Em petição enviada a Corte, disse João Francisco Ferreira que requerendo ao Vice-rei, que foi do Estado, Don Fernando José de Portugal, Conde de Aguiar, “uma légua e um quarto de terras na Serra dos Tapes, Continente do Rio Grande, no fim da testada da fazenda de D. Rita Leocádia Pereira de Lemos pela parte do Leste; e, com as datas da Picada grande de Salvador Jorge, Balthazar Gomes, José e Agostinho e outros pela parte do Sul; e, pelo fundo do Norte, com o Arroio de Pelotas; e, fundos pelo Oeste com terras devolutas da dita Serra; a fim de que o Suplicante possa estabelecer fazendas de criação de gados, culturas e o mais que a mesma terra for capaz; e, foi mandado fazer, primeiramente, as diligências do estilo, por cuja razão requereu o Suplicante Medição, o que, por seu despacho mandou fazer o Dr. Juiz de Fora, Órfãos e Medições daquela Capitania de São Pedro do Sul e que, para efeito se procedeu em citação dos ereos confinantes e que, depois de feita, se julgou por Sentença [...]”.
Ferreira encerrava a Petição requerendo a confirmação de sua Carta de Sesmaria, no que foi atendido aos trinta dias do mês de outubro de 1809.

Gonçalo José de Oliveira e Silva

Por volta dos primeiros meses do ano de 1814, Gonçalo José de Oliveira e Silva requereu ao governador Dom Diogo de Souza a concessão de umas terras, dizendo-se casado e morador no Distrito da Vila do Rio Grande e que, nos fundos da estância do Capitão Ignacio da Silveira, entre o arroio de Santa Bárbara e o de Pelotas, denominada Monte Bonito, “existem terras devolutas em direção à Serra dos Tapes; e, porque o Suplicante nunca obteve a graça de algum terreno e tem possibilidades de entrar em plantações, por serem os ditos terrenos de matos e campestres, roga a V. Excelência se digne conceder-lhe, por Carta de Data, a extensão correspondente a setecentas braças de frente com mil e seiscentas de fundos, fazendo a frente, nos fundos para a Serra dos Tapes, dividindo-se por um lado com o Arroio Pelotas; e, por outro, com terras de Manoel Alves Morais; compreendendo matos faxinais e campestres [...]”.

O Despacho de Dom Diogo de Souza

Informe o Comandante do Distrito, ouvindo os ereos [vizinhos/lindeiros]. Palácio de Porto Alegre, 16 de setembro de 1814.

O Comandante do Distrito

Em observância do despacho retro de [...], do Excelentíssimo Senhor Capitão Geral, antecessor de V. Exª., passei a me informar com os ereos do requerimento anexo e não se ofereceu dúvida alguma e, é certo estarem as terras devolutas e tudo mais que o Suplicante alega, é verdade. É o quanto posso informar a V. Excelência, que mandará o que for servido. Distrito de Pelotas, 21 de dezembro de 1814. Manoel Soares da Silva, Sargento-mor comandante do Distrito.

Joaquim José de Assunpção

Em requerimento encaminhado ao Marquês de Alegrete, disse Joaquim José de Assunpção, que ele, Suplicante, “tem por notícia, que na Serra dos Tapes se acham umas terras devolutas, que terão meia légua de frente e uma de fundo; sendo, estas, sitas nos fundos das terras de João de Matos, que fazem frente ao rumo do Sul; e, pelos fundos, em direção ao Norte e para a parte Leste, com terras requeridas por José da Rosa Lisboa; e, pela parte do Oeste, com terras requeridas por João Machado. E, porque o Suplicante ainda não obteve graça alguma de Sesmaria, motivo pelo qual recorre a [...]”.

O Governador

Informe o Doutor Ouvidor Geral e Corregedor da Câmara, procedendo as diligências do estilo. Quartel General de Porto Alegre, 22 de novembro de 1815.

O Ouvidor Geral

Informe a Câmara do Distrito, procedendo as diligências do estilo. Porto Alegre, 7 de dezembro de 1815.

A Câmara de Rio Grande

Cumpra-se. Rio Grande, em Câmara de 7 de fevereiro de 1816.

Ana Joaquina Rosa de Jesus

Dona Ana Joaquina Rosa de Jesus, viúva e moradora na Vila do Rio Grande, dizendo haver no Termo da Vila, no lugar denominado Serra dos Tapes umas terras devolutas, “sertão inculto”, e até então a Suplicante não possuir terreno algum e tampouco ter obtido a graça de concessão de Sesmaria e tendo possibilidades “para praticar a agricultura, roga a V. Excelência se digne conceder-lhe, por Sesmaria, meia légua em quadro de terras, compreendendo matos faxinais e campestres, que se encontram assim compostos: fazem frente no fundo da Sesmaria pedida por Joaquim José da Costa Campelo, no quadrante do Sul; no de Leste, com terras pedidas por Thomas Francisco Flores; e, pelo Oeste, com terras pedidas por Antônio Godinho Ramos; portanto [...]”.

O Despacho do Governador

Informe o Doutor Ouvidor Geral e Corregedor da Câmara, procedendo as diligências do estilo. Palácio de Porto Alegre, 15 de fevereiro de 1815. Marquês do Alegrete.

O Ouvidor

Indorme a Câmara do Distrito, procedendo nas diligências do estilo. Porto Alegre, 18 de fevereiro de 1815.

A Câmara

Cumpra-se. Rio Grande, em Câmara de 1º de março de 1815. Várias assinaturas.

Petição à Câmara

Em petição à Câmara de Rio Grande, desse Dona Ana Joaquina que, pelo documento anexo, mostrava ter requerido uma porção de terras ao Governador e que, em consequência disto, mandou que se procedesse nas diligências do estilo; por isso, “pede a V. Mercês sejam servidos mandar passar os Editais [...]”.

A Câmara e os Editais

Como pede. Rio Grande, 1º de março de 1815. Várias assinaturas.

Os Editais

O Juiz Presidente e demais Oficiais [vereadores] da Câmara desta vila e etecétera: Fazemos saber que Dona Ana Joaquim Rosa de Jesus requereu por Sesmaria […]. E, porque assim nos foi determinado pelo dito Ministro, mandamos passar três Editais, que serão publicados e afixados nesta Vila, na Capela do Povo Novo e Freguesia de São Francisco de Paula de Pelotas, onde estarão por trinta dias […].
Em Câmara de 14 de março de 1815”. (Várias assinaturas)



Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 05 de fevereiro de 2012.

domingo, 29 de janeiro de 2012

O POVOAMENTO DE PELOTAS (38)*




A. F. Monquelat
V. Marcolla


As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul

Henrique Xavier de Mendonça

Disse Henrique Xavier de Mendonça, morador na Vila de Porto Alegre, “que ele tem uma porção de escravos, e não tem terras próprias em que possa estabelecer uma fazenda de criar, cultivar e fazer plantações; e, porque, na paragem, que chamam de Serra dos Tapes, se acha uma porção de terras de faxinais com seus campestres e alguns matos, pelo que requer o Suplicante a V. Exª., se sirva conceder-lhe por Sesmaria, na dita paragem, légua e meia de testada ao rumo do Norte, principiando onde finda a testada de Caetano Antônio de Morais, com uma légua de fundos a rumo de Leste, vindo assim a dividir-se, pelo lado do Sul, com terras do dito Caetano Antônio de Morais; pelo Este com terras de Manoel de Meireles Lima e Manoel José Cavalheiro; e, pelo Norte e Leste, com terras devolutas da dita Serra [...]”.

O Vice-rei

Informe o Sr. Tenente General Governador, ouvindo por escrito a Câmara e o Oficial que serve de Intendente da Marinha. Rio, 18 de junho de 1800. [Rubrica]”.

O Governador

Informe a Câmara e o Escrivão que serve de Intendente da Marinha. Porto Alegre, 21 de agosto de 1800. [Rubrica]”.

A Câmara

As terras de que trata o presente Requerimento foram medidas e demarcadas judicialmente na forma das Ordens do Vice-rei do Estado; e, da sentença que nos foi apresentada, consta terem légua e meia em quadro, e se dividem pelo Leste, lançado onde fica a testada, a qual serve de divisa às terras que requer José Carvalho de Moura; pela parte do Sul, se dividem pelo rumo de Leste, lançado da porteira dos ervateiros, que é o princípio da testada por onde se divide com as terras que requer Caetano Antônio de Morais, onde faz frente pelo galho do Arroio Grande e se divide com terras de Manoel José Cavalheiro e Manoel de Meireles Lima, e faz fundos para Leste e se divide com terras de João Rodrigues Vianna. É o que podemos informar a V. Exª. Porto Alegre, em Câmara de 19 de agosto de 1801. [Várias assinaturas]”.

O Intendente da Marinha

Segundo a informação que dá a Câmara do Continente, e a Sentença de Medição que o Suplicante apresenta das terras que pretende, não encontro dúvida alguma, que obste a pretensão do mesmo. É o que posso informar. Porto Alegre, 20 de agosto de 1801. Simeão Gomes da Fonseca.

O Governador ao Vice-rei

Pela medição e demarcação judicial que se praticou no terreno mencionado no Requerimento anexo de Henrique Xavier de Mendonça; e, pelas informações da Câmara e do Oficial, que serve de Intendente, consta achar-se devoluto e nos termos de V. Exª. Conceder, se for do seu agrado, o referido terreno que o Suplicante pretende pelo legítimo título de Sesmaria. […]. Rio Grande, 28 de agosto de 1801. Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara.

O Vice-rei

Passe Carta de Sesmaria, na forma das Reais Ordens. Rio, 9 de março de 1802. Conde de Rezende.

João Rodrigues Vianna

Morador na Vila de Porto Alegre disse ter vários escravos assim como alguns animais vacuns e cavalares, “e não tem terras próprias em que possa estabelecer-se; e, porque na Serra chamada dos Tapes, onde faz fundos Henrique Xavier de Mendonça, se acha uma porção de terras de faxinais e campestres devoluto; e somente com o título de patrimônio régio [...], requer a V. Exª. se sirva lhe conceder, por Sesmaria, na sobredita paragem, légua e meia de fundos; principiando a sua testada onde finda o travessão do Sul do dito Henrique, e seguir daí o rumo do Norte, fazendo os seus fundos, a Leste; vindo assim a dividir-se pelo Oeste com o dito Henrique Xavier de Mendonça pelo Norte a Leste, com terras devolutas da mesma, e, pelo Sul, com terras que requereu Caetano Antônio de Morais [...]”.

O Vice-rei

Informe o Sr. Tenente General e Governador, ouvindo por escrito a Câmara e o Oficial, que serve de Intendente da Marinha. Rio, 5 de julho de 1800.

O Governador

Informe a Câmara e o Escrivão, que serve de Intendente da Marinha. Porto Alegre, 28 de novembro de 1800.

A Câmara

As terras que o Suplicante pede neste Requerimento foram medidas e demarcadas na forma das Ordens [...], e dela consta terem as ditas terras, de Largo, légua e meia; e outro tanto de comprido, e se divide pelo Oeste, por onde faz frente ou testada, com Henrique Xavier de Mendonça; pelo Leste, com terras devolutas; pelo Norte com José de Carvalho Moura e Brito; e, pelo Sul, com Caetano Antônio de Morais no rumo do Leste [...]. Porto Alegre, em Câmara de 5 de agosto de 1801. [Várias assinaturas].

O Intendente da Marinha

Segundo a informação que dá a Câmara do Continente, sobre as terras que pretende o Suplicante, e a Sentença proferida nos próprios Autos, que me foram apresentados, dúvida alguma encontro, que obste a pretensão do Suplicante. É o quanto, a respeito, posso informar a V. Exª., que mandará o que for servido. Porto Alegre, 6 de agosto de 1801. Simeão Gomes da Fonseca.

O Governador ao Vice-rei

Reporto-me às informações da Câmara e do Escrivão, que serve de Intendente da Marinha neste Continente, proferidas no Requerimento junto, de João Roiz Vianna, as quais, mostrou-se achar desembaraçado; e, em circunstâncias de ser conferido por V. Exª. o terreno que o Suplicante pretende por Sesmaria, no mesmo Requerimento. Rio Grande, 20 de agosto de 1801. Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara.

O Vice-rei (Conde de Rezende)

Passe Carta de Sesmaria, na forma das Reais Ordens. Rio, 26 de maio de 1802.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 29 de janeiro de 2012.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O POVOAMENTO DE PELOTAS (37)*

A. F. Monquelat
V. Marcolla

As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul

Entre o Charquear e o Estabelecimento das Charqueadas (final)

Em 11 de fevereiro de 1780, o Provedor da Fazenda Real, Ignacio Ozorio Vieira, através de Ofício, informa ao Vice-rei das medidas adotadas pelo Governador. Embora de redação bastante confusa, deixa-nos a impressão de que as medidas e práticas adotadas pelo Governador não iam de encontro ao que até então vinha sendo praticado; e que tal atitude, obrigava-o “e a Câmara, a responder aos seus despachos, para com o último dele, requerem a V. Exª. sesmarias; e porque, da novidade deste procedimento, tem havido grande confusão nestes moradores; [...]”.
Encerrando o ofício, diz o Provedor que “Agora, proximamente chegando algumas petições, despachadas por V. Exª., para os informes do estilo a respeito de terras devolutas, o dito Governador mandou lançar um Bando, a som de caixa, do qual remeto a V. Exª. a cópia, para determinar o que for servido. [...]”.
Não é nossa proposta de trabalho examinar as ações do governador José Marcelino de Figueiredo; pois tal, nos levaria por caminhos distintos e que, por ora, não vem ao caso. De qualquer forma, grosso modo, podemos dizer que suas atitudes e determinações foram contrárias aos interesses dos poderosos senhores de terras do Continente; dentre estes, Rafael Pinto Bandeira, que acabou levando a melhor; pois, José Marcelino, em abril de 1780, foi destituído do cargo de governador.
Com a vinda do novo governador, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, e suas ações nos campos “denominados das Pelotas”, principalmente no “Rincão de Ignacio Antonio da Silveira”, posteriormente denominado de Sesmaria do Monte Bonito, é que vão determinar o surgimento da urbe de Pelotas.
Entendemos que a cidade de Pelotas deve sua antecipada existência a dois fatos: o primeiro, provocado pela diáspora quando da invasão e ocupação de parte do Continente, por Don Pedro de Cevallos e suas forças; o outro, da necessidade que teve o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, de assentar as 84 famílias dos “Cazaes”.
Para melhor compreensão do assentamento feito pelo Governador, sugerimos a leitura de nosso artigo, “Pelotas: origem da urbe”, publicado no Diário da Manhã, em 07.07.2010.
Das 84 famílias, 20 foram assentadas na Sesmaria do Monte Bonito, da qual o Governador depois de mandá-la medir e saber que a mesma tinha cinco léguas e um terço, “das quais três e meia ficaram ao dito Ignacio Antonio e o resto foi repartido pelos vinte Cazaes”.
Visto isto, podemos, através destes fatos, especular quanto ao surgimento do pólo saladeiril de Pelotas, no que tange às charqueadas localizadas às margens do Arroio Pelotas; mas não, sem antes esclarecermos que, embora 64 Cazaes tinham sido assentados nas terras do capitão-mor Manoel Bento da Rocha, estes Cazaes ali permaneceram por um breve período; pois, logo tratou Bento da Rocha, com a permissão do Governador, de transferi-los para outras terras, também pertencentes a ele. Transferência esta, que veremos no capítulo “Manoel Bento da Rocha: o Senhor das Sesmarias”.
Bem, voltando à Sesmaria do Monte Bonito ou Fazenda do Monte Bonito ou Estância do Monte Bonito, agora, também ocupada por vinte Cazaes, separada uma de outros, “por meia légua das sobras, concedida para Logradouro Público”; meia légua esta, “que iniciava na margem direita do Arroio de Santa Bárbara”, nos perguntamos: onde estava José Pinto Martins e sua primitiva charqueada, mola propulsora do surgimento da cidade?
Insistimos na pergunta: onde estava José Pinto Martins, e sua primitiva charqueada?
Embora não haja prova documental alguma sobre a presença do charqueador José Pinto Martins, nos anos em que dizem ter ele instalado sua charqueada, 1779-1780, vamos admitir que tal tenha ocorrido. Aí, podemos trabalhar com duas hipóteses: a primeira, é a de que houvesse se arranchado, por favor ou arrendamento, nas terras do capitão Ignacio Antonio da Silveira (Fazenda do Monte Bonito), e ali instalado sua charqueada; a outra, menos provável, é a de que tenha se instalado no local destinado para Logradouro Público.
Que José Pinto Martins esteve entre nós, não há dúvida alguma. A pergunta é, desde quando e onde?
Para que a atividade do charqueador José Pinto Martins, entre homens acostumados a charquear, fosse notória, era necessário que o charque tivesse importância econômica para o Continente e despertasse o interesse da Coroa, o que não tinha e não havia. E menos ainda, nos anos de 1779, 1780, 1781 e etecétera.
Várias são as razões que determinaram a demora no surgimento do pólo saladeiril, que veio a ser formado em Pelotas, dentre elas a escassez de sal e a falta de um mercado consumidor interno em larga escala.
O primeiro sinal da presença de Pinto Martins no Continente de São Pedro, nos parece ter sido o por nós apontado, quando da publicação do artigo “Apontamentos para uma história do charque no Continente de São Pedro”, de nº 12, onde o encontramos em 1º de outubro de 1796, assinando, junto a outros moradores do Continente, uma Representação a Sua Majestade clamando por sal, para que pudessem praticar as suas charqueações.
Cremos, e já o dissemos “que somente por volta do final do Século XVIII é que o charque passa a despertar o interesse da Metrópole”. E que, “A indústria do charque deve grande parte do seu desenvolvimento e estímulo, sem dúvida alguma, ao governador rio-grandense Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, que despendeu muitos esforços em prol da produção e comércio de carnes salgadas, bem antes da recomendação feita pelo encarregado do comando da Esquadra da América, Donald Campbell, à coroa portuguesa” (MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Da importância do Governador, no estímulo e produção de charque no Continente, nos diz o Vice-rei, conde de Rezende, em 20 de novembro de 1800, em ofício enviado à Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara: “Ainda estando bem persuadido dos esforços que V. Exª. tem feito e continua a fazer para pôr em uma sólida e permanente consistência o estabelecimento das carnes salgadas” (MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Dissemos, anteriormente, que ao governador Sebastião da Câmara deve Pelotas a sua antecipada existência; pois, não fosse sua atitude de assentar os 20 Cazaes nas terras que deram origem ao polo saladeiril de maior importância, Pelotas teria continuado apenas com suas atividades agro-pastoris. E é, como se pode ver, novamente ao governador Câmara e seu empenho no desenvolvimento da indústria do charque, que deve Pelotas o seu rápido desenvolvimento e crescimento econômico.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 22 de janeiro de 2012.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O POVOAMENTO DE PELOTAS (36)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul

José Cardoso de Gusmão, o Alferes Charqueador

Dissemos que a novidade que queríamos acrescentar, aos escassos dados sobre o alferes José Cardoso de Gusmão, era a de que este exerceu as atividades de charqueador.
Também queremos, a partir desta afirmação, fazermos algumas especulações quanto ao ato de charquear, e o estabelecer charqueada.
Vimos, segundo Gutierrez, que o tenente João Francisco Vieira Braga, no ano de 1802, vendeu ao alferes José Cardoso de Gusmão uma área de terras localizada entre o Logradouro Público e o Arroio Pelotas. Área esta, que o Alferes, aos 15 dias do mês de setembro de 1808, transferiu a Boaventura Rodrigues Barcelos.
Importante é lembrar que a área, adquirida pelo Alferes, estava localizada na região onde houve a maior concentração de charqueadas em Pelotas.
Bem, é evidente que o fato de José Cardoso de Gusmão ter adquirido uma porção de terras entranhadas no polo saladeiril, por si só, não o transforma em charqueador; porém, se acrescentarmos à compra feita o bilhete que o Alferes, aos 22 dias do mês de março de 1804, enviou ao tenente João Francisco Vieira Braga, podemos documentar tal atividade.
Diz o bilhete, em sua essência, o seguinte: “Amigo e Senhor, tenente João Francisco Vieira Braga: por André de Sá, recebi a folha de tabaco, que vosmecê fez a mercê [de enviar], o que lhe agradeço o cuidado de o procurar bom [de boa qualidade].
Já a vosmecê, eu creio que tenha sido entregue o Negro e [esteja] satisfeito com sua eleição [escolha].
Na canoa Santa Rosa, há de ir a graxa que vosmecê pediu; pois, está pronta. E se mais quiser, mande dizer. Também quero que vosmecê não se descuide de ver se acha comprador de xarques; pois, se os ver, quero que [a]juste duas mil @, pois agora me chegou 2 tropas, que faço conta [ideia] matar parte dela antes de [a]justa[da]; e depois, há de vir outra e não tenho feito ajuste nenhum. Dizem é que está a chegar o Cipriano, com quem fiz negócio o ano passado; se vosmecê tiver ocasião de falar com ele, veja se [a]justa. [...]” (grifos nossos).
Cremos, a partir do conteúdo do bilhete do Alferes ao Tenente, não restar dúvida quanto a José Cardoso de Gusmão ter estabelecido charqueada, o que o diferencia daqueles que praticaram o ato de charquear.

Entre o Charquear e o Estabelecimento das Charqueadas

E por demais evidente que muitos homens na ocupação e formação do território do Continente de São Pedro praticaram, por necessidade, o ato de charquear; entretanto, isto não os tornou ou torna charqueadores.
Não fosse assim, a indústria saladeiril no Rio Grande do Sul teria florescido nos primórdios do seu desbravamento; e isto, nos levaria à primeira década do século XVIII. Daí, fazermos a distinção entre o charquear, e o estabelecer charqueada.
O primeiro, já o dissemos, foi praticado por necessidade, de forma casual e nômade. O outro, com o propósito fixo e de lucro comercial.
Portanto, baseados neste princípio é que afirmamos ter sido charqueador o alferes José Cardoso de Gusmão.
Considerando que a reocupação de parte do nosso território deu-se a partir do ano de 1776, é que podemos dizer que, desde então, começa oficialmente a concessão destas terras.
A alguns, bastou legalizar o extra oficialmente concedido em tempos de incerteza; a outros, foi preciso encontrar rincões apropriados para os objetivos pretendidos.
Nessa corrida às terras, melhor aquinhoados, sem dúvida, foram os militares; seguidos, em menor proporção, pelos burocratas da Coroa.
Embora incultos, e de poucas letras, conheciam muito bem os canais do poder, e o modo de pedirem aquilo que lhes convinha. O modelo empregado nos requerimentos, quase um padrão, era repleto de lamúrias e acompanhado da promessa de, após lhe fosse concedido o objeto requerido, tratarem de confirmá-lo junto à Corte, o que raras vezes era cumprido. Tal, e propositado descumprimento, tinha por objetivo evitar o processo de medição e demarcação, que não lhes convinha fosse feito; não somente para evitar o custo processual, cujo ônus lhes cabia; mas, e principalmente, porque não lhes interessava que fossem conhecidas as verdadeiras dimensões de suas terras, quase sempre maiores do que aquelas por eles indicadas.
Na tentativa de freiar e moralizar a escandalosa e pouco honesta corrida às terras, resolveu o governador José Marcelino de Figueiredo, em 10 de fevereiro de 1780, através de um “Bando” [Proclamação, anúncio público] realizado ao “som de caixa” [ao toque de tambor], cujo conteúdo, nos informa: “Domingos de Lima Veiga, Escrivão da Fazenda e matrícula da gente de guerra nesta Capitania de São Pedro do Rio Grande: Certifico, que revendo o Livro quarto do Registro geral desta Provedoria, a folhas cento e setenta e uma, verso, se acha registado o Edital, de que faz menção a portaria supra, o qual, é do teor seguinte: O Governador do Rio Grande, seu Continente e Fronteiras, pela Rainha Nossa Senhora e etecétera. Porquanto me faculta o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Vice-rei do Estado, em ofício de vinte e cinco de novembro passado [1779], repartir os campos destas Fronteiras cedidos no Tratado definitivo da última Paz, e me consta que, muita parte deles está tomada em posses muito maiores, que o que permitem as Reais Ordens, ainda quando fossem legítimas; pois, não pode haver sesmaria que exceda de três léguas de comprido, e uma de largo. Faço saber a todos os moradores deste Continente, que quiserem pedir terras ou que se lhes confiram [concedam] as de que estão de posse para povoarem-nas e as cultivarem na forma das Ordens de Sua Majestade, hajam de fazer-me petição dentro de um mês; quanto aos que já tiverem posse [quando] da publicação deste Edital, declarando o seguinte: A família que tiver o suplicante, e as possibilidades [que tem] para Estancieiro; quantas léguas de terra pretende ou possui, e desde quando se meteu na posse delas; quantos animais têm nelas ou têm para meter-lhes, e de que qualidade; com quem confrontam ditas terras, e em que sítio se acham e que serviços têm feito a Sua Majestade para serem atendidos com preferência; declarando se tem tido ou tem outras sesmarias, por compras ou posse se já as tiveram, para quem as venderam ou transpassaram. Os requerimentos, que se fizerem na sobredita forma, virão logo informados pelos Comandantes das Fronteiras, ou dos lugares onde se pedirem as terras; declarando o que constar sobre ditos requerimentos e se os pais, filhos ou irmãos, dos que pedirem sesmarias, têm outras posses imediatas as mesmas [que forem] pedidas ou em outras partes.
Tudo o sobredito, com a cominação de que, não acudindo dentro do tempo assinalado, por si ou por seus procuradores, se julgar de nenhum valor qualquer posse; e se proceder contra os que, desobedientemente se pretenderem conservar intrusos; e o mesmo procedimento se terá, contra os que, depois da publicação deste Edital, se apossarem de campos, sem licença minha ou de Ordem superior. E para que chegue a notícia [conhecimento] de todos, mandei fazer diferentes [cópias] deste Edital, para se remeterem, afixarem e publicarem nas Fronteiras e Povoações principais deste Continente. Registre-se na Provedoria e Câmara do mesmo Continente, este, para sempre constar. [...]”.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 15 de janeiro de 2012.

domingo, 8 de janeiro de 2012

JOSÉ PINTO MARTINS E SEUS IRMÃOS (3ª e última parte)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

A VINDA DE JOSÉ E ANTÔNIO PINTO MARTINS PARA O SUL

Quanto à partida dos irmãos da capitania do Ceará, admite Vieira Jr. que possa ter “acontecido nos anos 90 do século XVIII”.
Diz-nos, também, Vieira Jr. que: “E, mesmo considerando as dificuldades de navegação, José Pinto Martins mantinha um brigue, chamado Conde da Figueira, que comercializava diretamente com Pernambuco (incluindo Aracati e Mossoró): o sal era a base do comércio e os contatos de Antônio em Mossoró podem ter rendido a continuidade desse comércio. Ou seja, José e Antonio não só partiram do Ceará para o Rio Grande do Sul, como estabeleceram uma rota comercial entre extremos da América lusitana. Com o passar dos anos, a empreitada comercial deu prejuízo, deixando uma dívida significativa no patrimônio de José Pinto Martins”.
Em nosso artigo, “Pinto Martins ou João Cardoso?”, publicado no Diário da Manhã de 20 de outubro de 2011, p.13, dissemos a certa altura que: “O primeiro sinal da presença de Pinto Martins no Continente de São Pedro, nos parece ter sido o por nós apontado, quando da publicação do artigo ‘Apontamentos para uma história do charque no Continente de São Pedro’, de nº 12, onde o encontramos em 1º de outubro de 1796, assinando, junto a outros moradores do Continente, uma Representação a Sua Majestade clamando por sal, para que pudessem praticar as suas charqueações”.
Dissemos também, no mesmo artigo, que “Durante anos de estafante pesquisa, não conseguimos encontrar nas mais diversas fontes e arquivos consultados, o menor indício da presença de José Pinto Martins entre nós no espaço temporal dos anos de 1780 a 1795; o que, por outro lado, não significa que aqui não tenha estado; e sim que, até hoje não existe a menor prova documental de sua presença ou do estabelecimento de charqueada em 1780, no Continente”.
Uma outra afirmação feita por nós e no mesmo artigo foi a de que “Embora não haja prova documental alguma sobre a presença do charqueador José Pinto Martins nos anos que dizem ter ele instalado sua charqueada, 1779-1780, vamos admitir que tal tenha ocorrido. Aí, podemos trabalhar com duas hipóteses: a primeira, é a de que houvesse se arranchado, por favor ou arrendamento, nas terras do capitão Inácio Antônio da Silveira (Fazenda do Monte Bonito), e ali instalado sua charqueada; [...].
Que José Pinto Martins esteve entre nós, não há dúvida alguma. A pergunta é: desde quando e onde?”.
Em trabalho ainda inédito, no capítulo que titulamos de “Pelotas, terra de esbulhos e querelantes”, trazemos alguns elementos do processo movido por Mariana Eufrásia da Silveira contra Gonçalo José de Oliveira, que podem nos indicar onde pudesse estar José Pinto Martins, na década de 90 do século XVIII, quando aqui, em Pelotas, se instalou.
Mariana Eufrásia, através de seu procurador, entrou com pedido de Embargo, no qual, nos diz esta, que é “viúva do falecido Capitão-mor Francisco Pires Cazado, que em razão de ter Gonçalo José de Oliveira casado com uma neta da Suplicante, permitiu a este, que dentro das terras de que o casal da Suplicante é legítimo possuidor nas margens do Rio de São Gonçalo, levantasse casa para sua moradia. E isto, enquanto durasse o favor da Suplicante; porém, este seu beneficiado, abusando do mesmo bem que se lhe fez, e até menoscabando o respeito e submissão devida à Suplicante, não só por ser avó de sua mulher, mas Senhora daquelas terras, projeta, com a mais espantosa ingratidão, levantar de seu próprio árbitro e de novo reedificar um Estabelecimento de Charqueada, dentro das terras da Suplicante, no mesmo lugar, que já noutro tempo foi permitido ao Suplicado que o fizesse, e que presentemente se acha abandonada e destruída, por não funcionar há três anos, pouco mais ou menos. E porque à Suplicante não convém, pela atitude absoluta do Suplicado, que este reedifique o abandonado estabelecimento de charqueada, pelo futuro prejuízo e inquietação que pode advir à Suplicante, como já o tem experimentado. [...]”.
Em sua defesa, disse Gonçalo José, na Apelação, “que ele era senhor e possuidor de uma pequena porção de terras dentro dos Campos de seu sogro, o Capitão Ignacio Antonio da Silveira, e que essa porção de terras ficava ‘nas margens do Rio São Gonçalo e o Arroio de Santa Barbará. Acrescentando, que dentro do dito terreno, há muitos anos têm casas de vivenda, galpões, armazéns, atafona [Moinho manual ou movido por cavalgaduras], cercados e todo o necessário à Fábrica de charquear carnes, couros e sebos. Como também, de uma casa de negócio de fazendas e armazém de molhados’”.
Na continuidade da querela judicial, contestou o embargado Gonçalo José de Oliveira, afirmando que: “[...]. Terceiro: provará que o Capitão Ignacio Antonio da Silveira, com este legítimo título, possui e está possuindo as ditas terras do Arroio Santa Bárbara, margens do Rio de São Gonçalo, há trinta e quatro anos, por sua própria, Real e corporal posse, sem nunca haver, e ter havido em todos estes anos, uma só pessoa que lhe contestasse. E por isso, de paz mansa e pacificamente está possuindo as ditas terras no Arroio de Santa Bárbara há mais de vinte, trinta, quarenta e mais anos, por si e seus antepassados possuidores, e nelas sempre o dito Capitão Ignacio Antonio da Silveira, seu sogro, teve e conservou uma grande Fábrica de Olaria, onde se fazia toda a qualidade de tijolo e telha. E também, no mesmo lugar, tinha casas, escravos e criações de toda a qualidade, como suas, que estão e são as ditas terras, sem que nelas tenha havido outro mais algum possuidor, como melhor dirão as testemunhas, que requeiro se escreva tudo o que elas depuserem e disserem, ainda que articulado não seja. Quarto: provará que quando o Embargante recebeu do Capitão Ignacio Antonio da Silveira, seu sogro, aquelas duzentas e cinquenta braças de campo, em Causa Dotis, no lugar onde se acha estabelecido com casas, armazéns, negócio, quinta e sua Fábrica de Charquear, já em todo o Arroio de Santa Bárbara se achavam estabelecidos outros muitos e diversos moradores com negócios mercantis, Fábricas de Charquear, casas de residência e armazéns necessários para recolher os necessários mantimentos, que se exportam para o Rio de Janeiro e mais portos; cujos estabelecimentos foram ali feitos e formados há muitos anos, com licença, concessão e faculdade do sobredito Capitão Ignacio Antonio da Silveira, aonde, ainda hoje, existem os mesmos moradores, com grandes Fábricas e importantíssimas propriedades de Casas, Seleiros [Fabricante ou vendedor de selas] e Armazéns, com grande giro de Comércio, do qual dão grandes e avantajados interesses a Sua Alteza Real, com os muitos Direitos que lhe pagam. [...]”.
Eis aí onde possivelmente estivesse José Pinto Martins e sua primeira “Fábrica de Charquear”, ou seja, em terras do Capitão Inácio Antônio da Silveira e na margem do Arroio Santa Bárbara.
Concluindo e pondo um ponto final na questão de ter ou não José Pinto Martins, em 1780, instalado uma charqueada na margem direita do Arroio Pelotas, dizemos que: José Pinto Martins não estava ou esteve em Pelotas nessa época.



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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 08 de janeiro de 2012.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

JOSÉ PINTO MARTINS E SEUS IRMÃOS (parte 2)*




A. F. Monquelat
V. Marcolla


No Brasil, a diligência foi feita pelo Comissário Joaquim Marques de Azevedo que, desde Recife, aos 27 de julho de 1781, informou que “Por ordem de Vossas Ilustríssimas, fiz a diligência que me foi cometida, do habilitando José Pinto Martins, solteiro, que vive de seu negócio, o qual, consta ser natural do Bispado do Porto, e morador na Vila do Recife de Pernambuco e não consta que o habilitando seja herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, nem que fosse preso ou penitenciado pelo Santo Ofício, nem que incorresse em infâmia alguma pública ou pena de vil defeito e de Direito: é o habilitando pessoa de bom procedimento, vida e costumes, capaz de servir ao Santo Ofício em negócios de ponderação e segredo, e de dar boa conta e satisfação dos que lhe forem cometidos [incumbidos]; vive limpamente, com bom tratamento, trata de negócios de fazenda para o sertão, do qual percebe avultados lucros e possui cabedal, sabe ler, escrever e representa ter quarenta anos de idade; o dito habilitando é solteiro, nunca foi casado e não consta que tenha filho ilegítimo [...]”.
Joaquim Marques de Azevedo encerra a diligência dizendo que aquelas informações havia obtido com Domingos Pires Pereira; José Lopes Reis; João Marques da Cruz; Antônio Pinto; Manoel Gonçalves de Oliveira e Domingos Marques, “pessoas fidedignas, noticiosas e seguro [é] as informações que a Vossas Ilustríssimas exponho, e determinarão o que forem servido”.
Manoel Teixeira de Andrade, por parte do Santo Ofício, requereu ao Escrivão dos “Livros findos” de Penafiel, que extraísse “do seu Cartório” e copiasse junto ao pedido, com toda cautela e segredo, os registros de batismo de José Pinto Martins e o de seu irmão, João Pinto Martins, bem como o recebimento [casamento] de seus pais, João Ferreira Pinto e Catarina Martins, “do Lugar das Portas [...]”. Ao que, Gonçalo José Soares de Sá, Notário “Apostólico de Sua Santidade [...]. Certifico em como revendo o Livro terceiro [...], nele, a folhas cento e dezesseis, se acha o assento de batismo pedido de teor seguinte: José, filho legítimo de [...], nasceu aos sete dias do mês de dezembro do ano de mil setecentos e cincoenta e cinco [07.12.1755], e foi batizado solenemente por mim, o padre Manoel Moreira Maia, Vigário desta Freguesia aos onze dias do mesmo mês e ano [...].
E no mesmo Livro, a folhas setenta e sete verso, o assento de batismo de teor seguinte: João, filho legítimo [...], nasceu aos vinte e um dias do mês de fevereiro do ano de mil setecentos e trinta e nove [21.02.1739], e foi batizado solenemente por mim, o padre Manoel Moreira Maia, Vigário desta Freguesia, aos vinte e quatro dias do mesmo mês e ano, [...]”.
O casamento dos pais de José Pinto Martins, celebrado pelo mesmo Vigário, que declarou ter ocorrido aos dezoito dias do mês de maio de 1738.
A Certidão foi passada e assinada pelo Escrivão, aos vinte e oito de julho de 1781.
Aquela diligência aconteceu em função da incumbência que os “Inquisidores Apostólicos contra a herética pravidade e apostasia, nessa cidade de Coimbra e seu distrito &, pela presente Autoridade Apostólica, cometemos a diligência mencionada na Requisitória retro dos Muito Ilustres Senhores Inquisidores Apostólicos da Inquisição de Lisboa e seu distrito, a Manoel da Cunha Teixeira de Andrade, Comissário do Santo Ofício e Abade da Igreja de Louredo, para que a faça de forma que nela se contém, com toda a brevidade possível, e com a mesma nos será enviada [...], sem que lá fique cópia ou translado algum. Dada em Coimbra, no Santo Ofício, com nossos Sinais e Selo do Mesmo, aos quinze dias do mês de maio de mil setecentos e oitenta e sete anos. José da Apresentação a fiz”.
Abaixo, na Certidão, há o Selo do Santo Ofício e algumas assinaturas.
O Requisitório mencionado é um impresso, contendo algumas perguntas que o Inquiridor deveria fazer às testemunhas.
No corpo do processo há dois Requisitórios. Um, praticado aos trinta dias do mês de maio de mil setecentos e oitenta e sete anos “nesta residência do Salvador de Meixomil, onde veio o Reverendo Comissário, Manoel da Cunha Teixeira Andrade e eu, Escrivão, [...] foram perguntadas às testemunhas [...], Manoel Carneiro, [...]; José Batista, [...]; Manoel Ferreira, [...], Maria Dias, [...]; Agostinho Carneiro, [...] e Manoel Pinto”.
Ao final do documento consta a assinatura do escrivão, “Manoel José de Pinto, que o escrevi”.
Deixamos de reproduzir as respostas dadas pelas testemunhas inquiridas, por considerá-las irrelevantes ao propósito de nosso trabalho.
Depois de ouvidas as testemunhas, o Abade da Igreja de Louredo, comissário Manoel Teixeira de Andrade, aos 3 de julho de 1787, dá o parecer favorável a que José Pinto Martins seja aceito como Familiar do Santo Ofício.


A INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS EM RECIFE


Aos sete dias do mês de setembro do ano de 1787, em casa de residência do Comissário do Santo Ofício, Joaquim Marques de Azevedo, onde, ao padre Ignacio Francisco B. Reis, escolhido para Escrivão daquela diligência, foi dado o Paramento dos Santos Evangelhos, “que da sua mão recebi e, pelo qual, me foi encarregado que escrevesse a verdade [...]”.
Em seguida foram ouvidas as testemunhas: José Caetano dos Santos; Manoel Felipe Gonçalves, clérigo diácono, que a segunda das perguntas feitas, respondeu: “[...], que [José Pinto Martins] vive do seu negócio, natural de Portugal, residente ora no Acarati, e também no Recife de Pernambuco [...]”; Antonio Gonçalves dos Santos; Antônio Francisco Monteiro e Manoel dos Santos Rosa.
Ao final da inquirição, certificou o Escrivão “que nesta diligência gastamos, cada um, três dias [...]. Recife de Pernambuco, 10 de setembro de 1787”.
O Comissário Joaquim Marques de Azevedo, aos 11 dias do mês de outubro de 1787, enviou aos “Ilustres Senhores” do Santo Ofício o resultado favorável à habilitação de José Pinto Martins.


O PARECER FINAL E O PASSE CARTA NA FORMA DO REGIMENTO

Visto estas diligências de José Pinto Martins, homem de negócios, solteiro, [...], tem mais de trinta e cinco anos, [...], não consta que tenha filho algum: portanto, ao sobredito aprovo para Familiar do Santo Ofício, e a ele, se passe Carta na forma de Regimento. Lisboa, 24 de janeiro de 1789. [Assinaturas]”.
Bem, visto que José Pinto Martins estava, entre os anos de 1781 e 1789, envolvido com suas atividades “ora no Sertão do Aracati, e também no de Recife”, podemos deduzir que se estava lá, é óbvio que não estava aqui.


Continua...


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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 01 de janeiro de 2012.