sábado, 24 de setembro de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (26)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

AS DATAS SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

Simão Soares da Silva veio para o Continente de São Pedro em 1771.
Em 11 de fevereiro de 1775, a Junta da Administração e Arrecadação da Fazenda Real do Continente do Rio Grande, o nomeou para Comissário das Carretas e Cavalhada Real, no Quartel da Fronteira do Norte, com o ordenado anual de duzentos mil réis, gozando de todas as honras, privilégios e isenções, que eram concedidas aos oficiais e vendeiros da Fazenda Real, e o direito de, caso tivesse de sair em alguma diligência do Real Serviço, usar das cavalgaduras que lhe fosse necessário.
Em 10 de outubro de 1783, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara nomeou o capitão da Cavalaria Auxiliar, Simão Soares da Silva, para o emprego das carretas, boiada e cavalhada, para servir na “próxima Demarcação dos Domínios da América Meridional, pertencente à primeira Partida Privativa da minha inspecção, vencendo o ordenado que me parecer arbitrar-lhe, segundo o trabalho que tiver no importante desempenho das suas sobreditas obrigações; sujeitando-lhe ao dito fim, todos os capatazes, peões, serventes e outras quaisquer pessoas de que venha necessitar para o ajudarem, os quais lhe obedecerão sem a menor dificuldade, em tudo o que tocar ao Real Serviço [...]”.
Aos seis de janeiro de 1775, o Comandante Geral das Tropas do Sul, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, certificava que o capitão da Companhia da Cavalaria Auxiliar, Simão Soares da Silva, em todas as diligências de que o havia encarregado, relativas ao Real Serviço de Sua Majestade, deu inteira e louvável satisfação, mostrando-se sempre com zelo, grande aplicação e pronta obediência, com eficaz execução nas ordens e missões que lhe foram incumbidas. Motivo pelo qual, se faz digno e merecedor de vencimentos “em que sua Majestade o atender e remunerar”.
No ano de 1791, em requerimento enviado ao Marechal Governador, o capitão Simão Soares da Silva, “atualmente empregado no exercício de Comissário das Carruagens e Cavalgaduras da presente Demarcação de Limites, [diz] que: tendo ele, Suplicante, exercido o mesmo emprego na Campanha próxima passada, debaixo das ordens do Excelentíssimo Senhor General, o defunto, João Henrique Bohn, e tendo-lhe Sua Excelência, ao final da expressada Campanha, feito a honra de passar-lhe uma honrosa atestação, esta se extraviou; de modo que não lhe tem sido possível encontrá-la mais entre outros papéis que possui; e, sendo a mesma Atestação escrita pelo Tenente-coronel da Cavalaria Ligeira, Manoel Marques de Souza, que então servia como Ajudante das Ordens, do sobredito Senhor, pretende o Suplicante, para bem de sua justiça, que o dito Tenente-coronel, lhe ateste a verdade do referido; e, quando não o possa atestar com as formais palavras do mencionado, e tendo em vista que ele não o poderá fazer sem despacho de V. Sª., peço-lhe com o maior respeito e submissão, seja servido ordenar ao sobredito Tenente-coronel, que lhe passe a requerida Atestação; pois, se não a obtiver, lhe seguirá um irreparável prejuízo. E receberá mercê”.
Atendido pelo Marechal Governador, em 26 de novembro de 1791, obteve Simão, em 17 de fevereiro de 1792, uma nova Atestação firmada pelo Tenente-coronel da Cavalaria da Legião da Guarnição do Continente do Rio Grande de São Pedro, Manoel Marques de Souza.
Tanto as nomeações quanto as Atestações, que transcrevemos em parte, foram anexadas ao pedido feito em 1805, por ele, Simão Soares da Silva, “que tem a honra de servir a V. A. Real, no posto de Capitão do Distrito do Norte, do Regimento da Cavalaria Miliciana da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, de que lhe é chefe, Antônio Rodrigues Barbosa [éreo de Bernardo José Pereira], há quase trinta e cinco anos, como consta do documento de nº 1; servindo com toda atividade e obediência, não só no serviço ordinário, como em diligências extraordinárias, como se verifica do documento de nº 2; servindo igualmente de Comissário do Exército daquela Capitania, no tempo em que foi restaurada parte da mesma, por nomeação da Junta da Fazenda, debaixo da qual serviu até que ali se fizesse a paz, depois da qual passou a exercer o mesmo emprego de Comissário da Divisão de Limites, por nomeação do primeiro Comissário da mesma, o Governador daquela Capitania, em que gastou mais de 12 anos transitando por aqueles lugares desertos e arriscados, portando-se sempre com a maior exação, como tudo consta dos documentos de nºs 3, 4 e 5; tendo igualmente merecido o louvor e atenção do General João Henrique Bohn, comandante em chefe do Exército que restaurou a Vila do Rio Grande, e as demais partes daquela Capitania, como consta do documento de nº 6, tendo além dos pré ditos serviços, e daqueles que ordinariamente lhe compete em razão do dito posto, que apesar de seu Regimento ser Miliciano, se conserva atualmente quase em serviço.
Fez o Suplicante, na última guerra, grandes serviços a V. A. R., arriscando-se por várias vezes com sua vida e, tendo sido encarregado do Comando da defesa da Península, que fica entre o Mar Oceano e a Lagoa Mirim, pôde arrasar o Forte do Chuy fazendo prisioneiros, parte daquela guarnição, além de tomar uma grande porção de armamento, cavalgaduras e gado vacum, apesar de ali estarem as forças inimigas, em quádruplo, como é sabido e público na mesma Capitania, e isto pode confirmar o Governador.
Estes relevantes serviços e préstimos animam o Suplicante a pedir a V. A. R., que pela sua Real Grandeza, seja servido, em atenção a todo o exposto, fazer-lhe a mercê do posto de Tenente-coronel do mesmo Regimento de Milícias, que se acha vago, ou como melhor for do Real agrado de V. A. Real.
Pede, que tomando em consideração tão justos motivos, seja servido prover ao Suplicante em qualquer dos ditos postos, como efetivo, agregado ou graduado, como melhor parecer de Justiça. E. Real Mercê”.

Continua...


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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 25 de setembro de 2011.

sábado, 17 de setembro de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (25)*


AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

A. F. Monquelat
V. Marcolla

Quando o capitão Francisco Barreto Pereira Pinto requereu sua Carta de Sesmaria disse, em sua petição, que as terras, por ele requeridas, estavam devolutas e situadas “no meio dos povoadores Manoel Gonçalves Meireles, Manoel Meireles Lima e Francisco Fernandes”. Pois bem, as terras de Manoel Gonçalves Meireles já foram vistas neste trabalho, faltando-nos ver as de Manoel Meireles Lima e as de Francisco Fernandes. Quanto às deste último, não conseguimos encontrar documento que as localizasse; quanto a Manoel Meireles Lima, encontramos tão somente o que passamos a transcrever através das palavras do próprio requerente: “Diz Manoel de Meireles Lima, morador no Continente do Rio Grande de São Pedro, que ele, Suplicante, requereu ao Capitão General e Governador do Rio de Janeiro, para lhe dar, de Sesmaria, três léguas de terra de comprido, e uma de largo, no sítio e paragem do Arroio Goatamy [?] e o Arroio Çapato [Sapato?], por se acharem campos devolutos, e não aproveitados na forma das Reais Ordens de V. Majestade, e porque o Suplicante as têm beneficiado e cultivado na forma das Ordens da mesma Senhora: Pede a V. Majestade, servido de mandar se lhe passe Alvará de Confirmação. E. R. Mercê”.
A Sesmaria a qual Manoel Meireles Lima quer, e pede Confirmação, lhe fora concedida, por Carta, aos 5 dias do mês de fevereiro do ano de 1782, mandada passar por Luiz de Vasconcelos e Souza, Vice-rei do Estado do Brasil, registrada no Livro 32, “que serve de Registro geral nessa Secretaria de Estado, a fls. 40. Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 1782”.
A confirmação da Carta foi dada em Lisboa aos 17 dias do mês de setembro do ano de 1792.
Não conseguimos apurar a localização do “Arroio Goatemy”; quanto ao Arroio “Çapato”, acreditamos possa ter sido erro de grafia por parte do requerente Manoel Meireles Lima.

As aventuras e desventuras do Coronel Simão Soares da Silva

O coronel Simão Soares da Silva, lindeiro de João Cardoso de Gusmão, quando Capitão da Cavalaria Auxiliar, sediada no Estreito, possuía uma Sesmaria no distrito do Serro Pelado; e nesta, uma fazenda denominada São Francisco de Borges.
O pedido do capitão Simão Soares da Silva, ao Brigadeiro Governador, ocorreu no ano de 1779. Depois de medida pelo tenente Antônio Ignacio Roiz Cordova, e cumpridas as formalidades da época, obteve carta e confirmação de sua posse.
Poucos anos depois, Simão Soares da Silva, em novo requerimento ao Brigadeiro Governador, pediu a este que o tenente de infantaria Antônio Ignacio Roiz Cordova, lhe passasse certidão da medição que havia feito na Estância de São Francisco de Borges, da qual, era senhor e possuidor.
Cordova, cumprindo ordens do Governador, atendeu o pedido feito.
Na Carta de Sesmaria, concedida por Dom José de Castro, Conde de Rezende, em 29 de outubro de 1793, constava que Simão Soares da Silva, capitão da cavalaria auxiliar do Estreito, no Rio Grande, tinha povoado uns campos, que lhe haviam sido concedidos pelo Governador do Continente e, eram sitos “no caminho que daquela Vila vai para o Rio Pardo, com uma légua de frente e três de fundo, junto do Rio Piratini, que partem com Balthazar José e Joaquim Antônio por um lado, e por outro, com José Garcia, Salvador Bueno e Luis Marques, o que tudo mostrava pelos despachos e mais documentos que apresentara [...]”.
Não contente com a Certidão da medição feita por Cordova, tratou Simão Soares da Silva, após receber Carta de Sesmaria, de enviar novo requerimento ao Vice-rei, o Conde de Rezende, informando que há 14 anos obtivera, do Marechal Governador do Continente, uma concessão de um campo “sito entre os galhos setentrionais do Piratini menor, fazendo fundos o mesmo Rio; frente a um Cerrito, e dividindo-se pelo Oeste com o Arroio do Tenente; e pelo Leste, com outra vertente; que ambos baixam da Coxilha do Cerro Pelado; e que logo o tratou de povoar e nele se estabelecer e que, depois de o medir, achou, com efeito, que incluía as três léguas de frente e uma de fundo, ou o equivalente a vinte e sete mil braças, e que de tudo já teve a honra de levar ao conhecimento de V. Exª., no requerimento enviado para legitimar o mencionado campo, com o valioso título da presente Sesmaria, que V. Exª. foi servido mandar passar; porém, como se acha estar esta reduzida, provavelmente por engano, à extensão tão somente de uma légua, que tanto valem duas de comprido, sendo meia légua de largo, e nisto recebe o Suplicante um grave prejuízo, sendo factível que os seus vizinhos, ou outros quaisquer, logo que saibam do encurtamento que teve os ditos campos do Suplicante, os pretendam obter por Sesmaria; portanto pede a V. Exª., seja servido mandar passar uma segunda Carta de Sesmaria [...]; e de extensão de três léguas de fundo e uma de testada, ou de frente [...]”.
O pedido de Simão teve por primeiro despacho, o “Informe o Sr. Marechal de Campo, Governador do Continente. Rio, 23 de janeiro de 1794”.
Ao governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, pareceu muito justo, que Sua Excelência, o Conde de Rezende, fosse servido ordenar que, ao invés da Sesmaria que o capitão Simão Soares da Silva diz ser de meia légua de frente, e duas de fundo, “se lhe passe outra, que inclua as mencionadas três léguas de comprido, e uma de largo. [...]. Porto Alegre, 12 de julho de 1794”.
Ao que, o Vice-rei ordenou que: “Passe nova Carta de Sesmaria, na conformidade da resposta do Marechal Governador. Rio, 24 de fevereiro de 1795. [Rubrica]”.

Continua...

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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 18 de setembro de 2011.
Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.

sábado, 10 de setembro de 2011

UMA CHARQUEADA NO SERRO PELADO*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

A história das terras que deram origem à charqueada do Serro Pelado teve seu início com a petição do padre João de Castro Ramalho.
Neste documento disse o Padre que de acordo com o Edital mandado publicar pelo governador José Marcelino, em 1º de janeiro de 1780, se mandava repartir as terras, dentro da divisão meridional deste Continente, “e os que tiverem documentos ou serviços prestados a Sua Majestade, que o disponham para terem a preferência dentre os demais”; o que levou o Padre a dizer que os serviços que “tem feito a Sua Majestade é o de ter servido no ofício de Capelão, no Regimento de Extremos, por tempo de dez anos, como consta dos documentos que junto oferece”; e, que isto o levava a pretender “um terreno devoluto, que faz frente pelo Leste, com o Serro Pelado; pelo Sul e Sudoeste, com José de Azevedo e o tenente-coronel João de Azevedo, fazendo fundos para o Oeste; e, pela maior parte, se dividem com a Serra. [E que], para povoar a dita Sesmaria ou terras, declara ter tudo o que é preciso para dar princípio [...]”.
Atendendo ao requerimento do padre João de Castro Ramalho, pediu o Brigadeiro Governador o “Informe o Senhor Coronel Rafael Pinto Bandeira, ouvindo o Capitão de Dragões, Manoel Marques de Souza. Vila de São Pedro, 10 de outubro de 1780 [Rubrica]”.
Rafael Pinto Bandeira, por sua vez, pediu em 23 de outubro do mesmo ano, que Manoel Marques de Souza se manifestasse com relação ao pretendido.
Aos 25 de novembro de 1780, informou Marques de Souza que o terreno pedido pelo “Reverendo Suplicante, está devoluto [e ele], tem meios para o cultivar e é merecedor ser atendido”.
Aos 27 dias de novembro de 1780, o Governador concedeu ao Padre “três léguas de comprido e uma de largo, no terreno que aponta”; com a ressalva de que “só terá vigor não se apresentando outro Sesmeiro com documento mais antigo; e, ficando obrigado a requerer tal terreno na forma das Reais Ordens”.
Não aparecendo documento mais antigo, ficou o padre João de Castro Ramalho de posse das terras até 8 de fevereiro de 1782, quando, então, declarou no próprio título que: “Pertencem as terras de que trata este título, a meu irmão Gaspar de Araújo Castro Ramalho, por delas lhe ter feito doação. Rio Grande [...]”. Logo após, consta a assinatura do Padre.

GASPAR DE ARAÚJO CASTRO RAMALHO VENDE, NO RIO DE JANEIRO, A SESMARIA QUE LHE FORA DOADA

Aos cinco dias do mês de julho do ano de 1785, Gaspar de Araújo Castro Ramalho e sua mulher, Joana Maria Cordeiro, comparecem em “casas de morada de mim Tabelião adiante nomeado, nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, de uma banda, como vendedores moradores nesta cidade; e, de outra, como comprador, Joaquim José da Silva, procurador bastante, que mostrou ser de José Roiz da Fonseca, por procuração feita nesta nota por mim Tabelião, em 21 de janeiro de 1780, […]. Logo pelos ditos vendedores, […], perante as mesmas testemunhas; que eles são donos de uma estância sita no Continente do Rio Grande, que consta a mesma de três léguas de comprido e uma de largo, que faz frente para Leste no Serro Pelado […] e disse o dito vendedor, que não apresentava o título da dita doação, por se achar em poder do comprador José Rodrigues da Fonseca, que se acha no Continente […] por preço e quantia de cento e setenta e nove mil e duzentos réis, que confirmam ter recebido da mão do comprador, em dinheiro de contado, moeda corrente neste estado, que eu Tabelião dou fé, assino e declaro […]. Tabelião Ignacio Teixeira de Carvalho, que o escrevi. [...]”.
Não muito tempo depois, José Rodrigues da Fonseca, morador no Continente do Rio Grande, através de requerimento encaminhado ao Vice-rei, diz que “possui uns campos por compra que deles fez a Gaspar Dutra Castro Ramalho, como consta da Escritura junta”, dizia ainda que possuía “escravos e avultado número de animais vacuns e cavalares, que já tem em dito campo”, o qual, terá pouco mais ou menos três léguas de comprido e uma de largo, fazendo frente no Serro Pelado; e, pelo Sudoeste, parte com José de Azevedo e o tenente-coronel João de Azevedo; fazendo fundos para Oeste; e, pela outra, se dividem com a Serra [...]”.
O requerimento de José Rodrigues da Fonseca teve, por parte do Vice-rei, o seguinte despacho, em 28 de agosto de 1786: “Informe a Câmara e o Provedor da Fazenda”.
Não conseguimos paleografar, por excesso de tinta, o parecer do Provedor da Fazenda Real; quanto ao da Câmara, foi dito que “As terras que o Suplicante pede, consta-nos que as está possuindo, sem embaraço, para que deixe de conseguir a graça que pretende: V. Exª. mandará o que for servido. Porto Alegre, em Câmara de 25 de novembro de 1786. Antônio José Alencastro; Antônio José de Farias; Antônio Pereira Fernandes; Antônio Rodrigues da Silva e José Roiz de Figueiredo.
Em virtude dos pareceres, recebeu o “Passe Carta na forma das Ordens. Rio, 11 de junho de 1787. [Rubrica]”.

A CHARQUEADA DO SERRO PELADO

Não conseguindo mandar medir e demarcar as terras, exigência para que recebesse sua Carta de Confirmação, volta José Rodrigues da Fonseca a peticionar, dizendo ser “morador estabelecido no Continente do Rio Grande de São Pedro do Sul, com fazenda de agricultura e criação de gado vacum e cavalar, que charqueia aquele, dirigindo [enviando] avultadíssimas porções a este país, com que o abunda [ilegível] daquele gênero; fazendo deste, grandes manadas, cuja tropa também vende para diversas partes, interessando [causando lucro] ao Régio Patrimônio com os grandes Direitos que paga. [grifos nossos].
E como, Real Senhor, a dita fazenda é formada em terras que o Suplicante possui e tem cultivado naquele vastíssimo Continente, e lhe foram concedidas por Sesmaria, como se infere da respectiva Carta inclusa, a qual, mandando o Suplicante pela 1ª via a confirmar, ainda não voltou; ou por omissão dos procuradores, a quem foi incumbido o particular ou pelas circunstâncias ocorrentes; e, porque o Suplicante deseja titular-se legitimamente nas ditas terras, onde se acha estabelecido e tem cultivado: Suplico a V. A. Real para que se digne fazer a graça de lhe mandar confirmar a dita Sesmaria, dispensando-o do lapso de tempo, cujos respectivos direitos, não duvida solver [pagar]. Pede [...]”.

Os Despachos

Haja vista o Procurador da Coroa e Fazenda. Rio, em Mesa de 19 de janeiro de 1809 (Rubrica).

O Procurador

Deve apresentar a medição e demarcação judicial desta Sesmaria. Rio, 19 de janeiro de 1809. (Rubrica).

A Provisão de Lapso de Tempo

Aos 19 dias do mês de janeiro de 1809, o Conde de Aguiar, em nome do “Príncipe Regente [...], há por bem dispensar para que, sem embargo do lapso de tempo, se passe confirmação da Carta de Sesmaria inclusa, que em 30 de junho de 1787 se passou a favor de José Rodrigues da Fonseca: o que V. Exª. fará presente na Mesa do Desembargo do Paço, para que assim se execute”.

A Mesa

Satisfaça. Rio, em Mesa de 26 de janeiro de 1809. (Rubricas).
Encontrando novas dificuldades de cumprir as formalidades exigidas, volta José Rodrigues da Fonseca a peticionar a Sua Alteza Real, informando que, sendo-lhe concedida a Carta de Sesmaria, e pretendendo confirmá-la, requereu “o Suplicante a V. A. Real, por segunda via; e, porque se mandou, por despacho do Procurador da Coroa, juntar a medição das mesmas terras; e, como não tem o Suplicante feito medir, pelo grande respeito que gozam os confrontantes, que obtém dos Juízes das Medições a não medição da Sesmaria do Suplicante; e que, para poder Conferir o referido despacho, requer, por isso a V. Majestade se sirva de mandar passar Provisão dirigida aos Juízes daquele Continente do Rio Grande, para que os mesmos, em tempo breve e logo que esta lhes seja apresentada, façam a medição e demarcação da Sesmaria do Suplicante; e não o fazendo, quando apresentada o for, se haja a culpa [...]”.
O pedido foi atendido aos 6 dias do mês de março de 1809, com o “Passe Provisão. [Rubrica]”.
É lamentável, por falta de documentos, não termos apurado maiores detalhes sobre a Charqueada do Serro Pelado.


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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 11 de setembro de 2011.
Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.

sábado, 3 de setembro de 2011

PINTO MARTINS: O MITO DE UM SÉCULO*




A. F. Monquelat
V. Marcolla

Tudo isso parece possível, sem dúvida. Mas interessa antes de tudo que seja verdade histórica”.

As palavras aqui utilizadas como epígrafe são de autoria do médico, genealogista e historiador Paulo Xavier, quando da publicação de seu artigo, “Um Cearense Iniciador de Nossas Charqueadas?”, publicado no Caderno de Sábado do Correio do Povo de 11.12.1971, p. 6.
Nesse trabalho, com o qual dialogamos em nosso artigo “Desfazendo mitos” (DM, 28.12.2010, p. 14), Paulo Xavier tem como propósito desconstruir o mito de que Pinto Martins havia sido o iniciador das charqueadas no Rio Grande do Sul.
Antes de Paulo Xavier, Aurélio Porto em sua “História das Missões Orientais do Uruguai” nos dava provas de que em “princípios de 1700, Laguna já exportava charque fabricado no Rio Grande”, além de elencar várias passagens envolvendo topônimos, que remetem à existência de atividades saladeiris no litoral do Continente de Rio Grande nas primeiras décadas do Século XVIII.
No entanto, nem Paulo Xavier e tampouco Aurélio Porto foram capazes de evitar que o mito de que José Pinto Martins foi o iniciador das charqueadas no Rio Grande do Sul, ainda em nossos dias, se mantenha vivo.
O nascimento de um mito se dá, quase sempre, pela ausência de conhecimento sobre um fato. A história está repleta de mitos. Roma, por exemplo, tem sua origem em uma loba, que teria amamentado e criado duas crianças, Romulo e Remo; e estes, fundaram a cidade.
Isso é uma história bonita, sem dúvida. Mas não é verdadeira; porém, o mito, depois de estabelecido, fica tão convencido de seu status, que não permite uma outra hipótese que lhe possa opor.
Simões Lopes Neto, nosso escritor maior e exímio contador de casos, ao tentar reconstruir uma história das origens da cidade de Pelotas, legou-nos um mito. Vejamos, mais uma vez, a herança deixada por ele, quando da divulgação da sua “Revista do 1º Centenário de Pelotas” nos anos de 1911 e 1912: “Por 1777/80, vindo do Ceará, aportou ao Rio Grande um homem que conhecia o fabrico da carne do sertão [...] por um processo garantidor da sua longa conservação: a salgação, a enxerca ou enxarque da carne. Esse obscuro industrial, que não deixou – que saibamos – de si outra notícia, esse, mesmo sem a consciente previsão do alcance do seu cometimento, esse foi José Pinto Martins, a quem cabe a precedência na fundação da futura cidade” (grifos nossos).
E, logo a seguir, nos diz Simões Lopes que, “Sabe-se que em 1780, numa parte dos terrenos de Manoel Carvalho de Souza (Arroio Pelotas), fundou José Pinto Martins, vindo do Ceará [...], uma charqueada” (LOPES NETO, 1994, p. 17, grifo do autor).
Mais detalhes sobre as afirmações feitas por Simões Lopes, sugerimos a leitura de nosso artigo, “José Pinto Martins, o charque e Pelotas” (DM, 4/5.04.2010, p. 10 e DM, 11.04.2010, p. 10).
Uma década depois, o mito criado por Simões Lopes ganha corpo e força na hoje clássica obra de Fernando Osório, “A Cidade de Pelotas”, e é, onde vamos encontrar, em forma de “Adenda ao Capítulo II”, a seguinte “Notícia biográfica – José Pinto Martins, natural do Ceará. – Foi o criador da indústria saladeiril no Rio Grande do Sul. Cabe-lhe a primazia na fundação da hoje bela e adiantada cidade de Pelotas. Em 1780 estabeleceu uma xarqueada sobre a margem direita e a cerca de uma légua da foz do rio das Pelotas; [...]” (grifos do autor).
Dissemos que o estabelecimento do mito ganhou corpo e força a partir da obra de Fernando Osório, porque esta, hoje em 3ª edição, foi incomparavelmente mais divulgada e consultada, do que a diminuta tiragem e escassa circulação da “Revista” de Simões Lopes.
Entendemos oportuno aqui deixarmos ressalvado que a intenção de nosso trabalho não é o de apontar culpados; é, isto sim, o de buscar a origem do mito e suas fontes de propagação.
A obra de Simões Lopes foi escrita em uma outra época, com uma outra metodologia e outros recursos.
De qualquer forma, deixou-nos Simões Lopes a primeira história impressa, da cidade de Pelotas. Entretanto, nesse mesmo legado, estabeleceu uma sentença que perdura há um século, sem o menor indício de ser uma verdade histórica. No entanto, aí está e sem qualquer questionamento por parte dos pesquisadores e historiadores.
Já o dissemos e vamos continuar repetindo, Pelotas não é fruto da iniciativa de um único nome: José Pinto Martins.
Pelotas deve seus primórdios a dois fatos: a ocupação castelhana de parte do território do Continente; e ao assentamento dos “Cazaes” feito pelo governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara.
Pelotas teve suas origens no agro-pastoreio.
A importância de José Pinto Martins para o desenvolvimento da indústria saladeiril no Continente do Rio Grande é um mito.
A charqueada fundada no ano de 1780 é outro mito.
A história da cidade de Pelotas está, desde muito, precisando de um novo olhar e de novas interpretações. Interpretações com menos equívocos e sem mitos.
A história de uma cidade é a história de uma comunidade; e não, a história de uma elite. A história de uma cidade não é a história de seus barões, saraus, doces e licores.
A história de Pelotas precisa ser espremida, é preciso fazê-la ranger.

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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 04 de setembro de 2011.