quarta-feira, 7 de julho de 2010

PELOTAS: ORIGEM DA URBE

A. F. Monquelat
V. Marcolla


Hoje, 7 de julho, foi o dia que escolheram para Pelotas comemorar a data de seu aniversário. Significa dizer que, em certo momento de sua histórica trajetória, este dia passou a representar a data de seu nascimento. Poderia ter sido outra, o 31 de janeiro, data da Resolução que criou as freguesias de Arroio Grande, Pelotas e Canguçu, mas não; foi eleito o 7 de julho, data do Alvará, documento posterior à Resolução de 31 de janeiro de 1812.
E é a partir daí que se estabeleceu uma tradição, iniciada quem sabe em 1912, e que fez com que hoje Pelotas comemore o seu centésimo nonagésimo oitavo ano de vida como freguesia.
No entanto, esta é uma data simbólica, porque na realidade Pelotas poderia, se quisessem, comemorar os seus quase duzentos e trinta anos de existência. Ou melhor dizendo, o espaço territorial denominado Pelotas, é bem provável que tenha origem entre os anos de 1780/81. E não por causa de José Pinto Martins e sua charqueada; pois quanto a isto, prova não há. Mas sim, por ser 1781, o ano em que o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara assentou os alicerces para o surgimento da futura cidade.
A historiografia pelotense, através de pesquisadores, historiadores e cronistas da história, por ignorar os fatos e desconhecer documentos sobre este assunto, segue atribuindo a José Pinto Martins um pioneirismo, que a este não coube. Pelotas, nos seus primórdios, já dissemos anteriormente e voltamos a repetir, é consequência do agro-pastoreio; e não de uma atividade menor, como era o ato de charquear. E nesta afirmação, incluímos também o processo de povoamento do espaço territorial, que deu origem à urbe.
Na tentativa de melhor contextualizar esta afirmação, reproduzimos aqui parte das correspondências do governador José Marcelino de Figueiredo enviadas ao Vice-rei, D. Luis de Vasconcelos e Souza, entre os meses de setembro e outubro do ano de 1779. Na de 12 de setembro “pedia o governador José Marcelino de Figueiredo ao Vice-rei que este mandasse, a pedido dos moradores da Vila do Rio Grande, formar uma nova Freguesia nos Campos da parte do Forte de São Gonçalo”. Em de 15 de outubro de 1779, aparece o seguinte teor: “[...] tendo chegado à Vila do Rio Grande muitos Casais oriundos da Praça da Colônia [do Sacramento], e ultimamente chegaram mais quarenta famílias, todas pobres e de arrasto; [e] pedem farinha e carne para comer, e eu não tenho nem para a Tropa, caso V. Excelência não a mandar ou dinheiro para compra como já tenho pedido.
Já propus a V. Exª. (e aquele numeroso povo requer) seria muito útil formar com aquela gente uma povoação, ou vila nos Campos chamados das Pelotas [grifos nossos], ou em suas imediações na forma das Ordens de S. Majestade. E é muito e muito útil, senão tanto povo perecerá, porque todo [ele] se tem juntado na Vila de São Pedro [do Rio Grande] onde se conservam sem arrumação, e sem ter [o] que comer, nem modo de viver e ainda será mais útil e necessário se forem outras Freguesias, para aumento espiritual e temporal destes Colonos, [...]” (MONQUELAT e MARCOLLA, 2010, p. 53-54).
Poucos meses depois, Sebastião Francisco Bettamio datava no Rio de Janeiro, aos 19 dias do mês de janeiro de 1780, sua “Notícia particular do Continente do Rio Grande do Sul – Segundo o que vi no mesmo Continente, e notícias que nele alcancei, com as notas que me parece necessário para aumento do mesmo Continente e utilidade da Real Fazenda. [...]”.
Esta Notícia, uma espécie de Relatório, tinha o objetivo de levar ao conhecimento do Vice-rei, de quem partira a ordem, o que Bettamio vira, ouvira e sugeria quanto às providências que no Continente deveriam ser tomadas.
Ao tecer comentários sobre várias freguesias, dentre elas a Vila do Rio Grande e seus limites, nos informa Bettamio que: “Têm também fregueses da parte de fora do Sangradouro de Merim, onde chamam os Campos das Pelotas, e Arroio das Pedras”. Logo após, há uma Nota de Bettamio, na qual nos diz que “Todas as freguesias nomeadas ocupam grandes extensões de terrenos, mas a maior parte são estâncias de criações de gados”.
Diante de algumas hipóteses aventadas por Bettamio, quanto a mudar a Vila do Rio Grande para outro local, está a de que “Sendo a mudança para o campo chamado das Pelotas, onde o terreno é melhor, e tem pedra, há os descontos de ficar distante da barra mais de dez léguas; e não se poder fortificar, ou guardar pela parte do campo sem uma numerosa guarnição [...]”.
Quanto aos “campos chamados S. Gonçalo, das Pelotas ou do Serro Pelado” nos diz Bettamio, que estes “pertencem à Coroa de Portugal, segundo o Tratado de Paz, mas como não está demarcada a linha de limites, parece não ser justo ocuparem-se aquelas campanhas, nem repartirem-se a moradores sem estar concluída a linha divisória; e o tenho visto praticar pelo contrário, porque não só se tem repartido, mas até se tem vendido de um particular a outro a posse por um título que não é, nem podia ser, e tal e qual foi adquirido ainda antes da invasão que os Castelhanos fizeram no Rio Grande, em cujo tempo não pertencia à Coroa de Portugal aquele terreno. Todos dão uma boa informação dele para criações de gado, por ser de excelentes pastos, e a ideia é fazer ali povoação, e puxar para lá os moradores”. Acrescenta logo a seguir: “Confesso que não sei qual seja a política de separar os povos em distâncias tão avultadas, expondo-os aos maiores incômodos e riscos. Meu intento não é que se não utilize aquelas terras, mas antes pelo contrário digo que é justo se empreguem em criações de gados, logo que pela linha divisória ficarem nesses termos, não podendo os atuais possuidores alegar direito à posse em que estão, por serem intrusos e não poderem mostrar título legal, que lhes autorize o domínio dos ditos terrenos que intrusamente ocupam. Sou sim de parecer que, sendo lá as fazendas de gados, sejam as vivendas de seus donos dentro do recinto da Vila, como já fica declarado”.
Fizemos questão de mostrar as ponderações feitas pelo governador José Marcelino de Figueiredo, bem como as explanações e sugestões de Sebastião Francisco Bettamio ao Vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e Souza, no intuito de mostrar que nossa afirmação quanto ao processo inicial de ocupação dos campos denominados “das Pelotas” não foi obra fortuita ou tão pouco de um único empreendimento: a charqueada de José Pinto Martins.
Dissemos, anteriormente, que os alicerces para o surgimento da cidade de Pelotas foram assentados pelo governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, e para que isso fique mais visível ao leitor, tomaremos alguns dados da petição do charqueador Antônio José de Oliveira Castro contra Antônia Margarida Teixeira de Araujo, que ajudarão a compreender a atitude do Governador quanto à Sesmaria do Monte Bonito.
Joaquim José Leite da Costa, como procurador, peticionou em nome de seu cliente, o charqueador Antônio José de Oliveira Castro a Sua Majestade, dizendo que seu constituinte era senhor e possuidor de um terreno, “compreendido em seu Título, do qual não se acha preenchido [não cumpridas as formalidades legais]”, e que tal terreno estava situado na Freguesia de São Francisco de Paula, Vila do Rio Grande; porém, Dona Antônia Margarida Teixeira de Araujo, viúva do capitão João José Teixeira de Guimarães, possuidora de uma Data de terras na margem do “Rio de São Gonçalo”, nessa mesma Freguesia, cuja Data se dividia, pelo Norte, com as sobras da “Fazenda de Monte Bonito”, e que essa Data nunca fora medida nem pelo marido, João José Teixeira de Guimarães, e tampouco por seus herdeiros. E que por isso, e a seu arbítrio, estabeleceu os limites de suas terras, pela parte do Norte, em terreno alheio.
Disse ainda o Procurador “que até o presente, nem por ele [Guimarães], nem a viúva ou seus herdeiros haviam vendido, cercado ou tapado o terreno”. E que, medida judicialmente a Fazenda de Monte Bonito, partia esta, pelo Norte, com as terras da referida viúva e que a linha divisória corria pela frente de todas as demais Datas de terras, pois na ocasião foram concedidas na mesma extensão e forma de quando foram dadas aos antepossuidores de seu marido e que somente este não ficara satisfeito com aquela medição judicial, por querer avançar sobre todos os outros dateiros que, aliás, se contentaram com os seus justos limites.
Ao leitor não familiarizado com a história destas terras (Datas), as quais deram origem à Cidade, queremos esclarecer o seguinte: o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, tendo de assentar 20 outras famílias além das 64 assentadas na Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição (que a historiografia local denomina de Rincão de Correntes) de propriedade de Manoel Bento da Rocha, aproveitou as sobras do “Rincão de Ignacio Antônio, que tinha cinco léguas e um terço, das quais três e meia ficaram ao dito Ignacio Antônio e o resto foi repartido pelos vinte Cazaes”.
Esta repartição, que Veiga Cabral denominou de “Explicação”, foi por ele anexada na correspondência que enviou em 12 de abril de 1781, ao Vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza.
Naquela oportunidade, o Governador também informou que “aos povoadores imediatos à Serra [dos Tapes], por melhor o terreno, distribuí Datas mais pequenas, que aos situados nas várzeas”.
Para maior clareza do dito pelo Governador, devemos fazer o seguinte raciocínio: dividir por 20, a área compreendida desde o Arroio Pelotas até o “Arroio de Santa Barbara”. Feito isto, teremos ideia da largura de cada uma das 20 Datas distribuídas aos 20 casais. O comprimento é que variou, de acordo com o tamanho das várzeas localizadas no fundo dos terrenos dos dateiros.
Iniciada a numeração pelo Arroio Pelotas, teremos as Datas de 1 a 12 com menor profundidade do que as de números 13 a 20, por terem menos várzeas as 12 primeiras.
Entre a 1ª e a 15ª Data, posteriormente, se instalaram as charqueadas da margem direita do Arroio Pelotas.
Da 16ª a 20ª Data, fundos para o “Sangradouro de Merin [hoje Canal de São Gonçalo]”, podemos imaginar a área da Zona Norte até o Porto.
Nos fundos da 17ª Data ficava o “Paço dos negros [Passo dos Negros]”.
E entre a 17ª e a 20ª (de Mariana Eufrásia da Silveira) nasceria o núcleo urbano da cidade de Pelotas.


____________________________________________
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.

Referências

MONQUELAT, A. F.; MARCOLLA, V. O processo de urbanização de Pelotas e a Fazenda do Arroio Moreira. Pelotas: Editora Universitária/UFPEL, 2010.
MONQUELAT, A. F.; MARCOLLA, V. O povoamento de Pelotas. vol. I e II. (No prelo).

Nenhum comentário: