domingo, 17 de julho de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (18)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

As terras da região do hoje município de São Lourenço do Sul parece terem sido concedidas aos primeiros sesmeiros que as ali requereram, no final do período da ocupação espanhola de parte do Continente; isto é, a partir do ano de 1776.
É provável, embora dificultoso de confirmar, que as terras daquela região já estivessem parcialmente ocupadas; porém, não sabemos por quem e nem tampouco desde quando ali tivessem se estabelecido com família, escravos, gados, currais e plantações, condições indispensáveis para garantia da posse.
Dentre os não muitos trabalhos existentes sobre a história daquele município, até então editados, tomamos como referência e obra de consulta o livro “São Lourenço do Sul (Cem anos) 1884-1984”, publicado na administração do senhor Rudh Hübner, tendo como autor dos apontamentos históricos o senhor Jairo Scholl Costa.
Na continuidade deste nosso trabalho sobre o “povoamento de Pelotas”, cujos primeiros dezessete artigos foram publicados aqui no DM, desde o dia 21 de março a 1º de agosto de 2010, não temos a pretensão de contar a história de São Lourenço do Sul, até porque, como já o disse Lewis Munford, “as origens [de uma cidade] são obscuras, enterrada ou irrecuperavelmente apagada uma grande parte de seu passado”; no entanto, por circunstâncias histórico-administrativas, durante um longo período a história de Pelotas e a de São Lourenço do Sul estiveram entrelaçadas; daí, e por força deste contexto estarmos trazendo estes apontamentos, que esperamos possam de alguma forma contribuir para maiores informações sobre os primórdios daquela cidade.

RAFAEL PINTO BANDEIRA E CONSTANÇA FERREIRA DE OLIVEIRA PINTO BANDEIRA, SESMEIROS EM SÃO LOURENÇO DO SUL

Diz a historiografia lourenciana, que “parece fora de dúvidas que o primeiro proprietário de terras em São Lourenço do Sul foi, efetivamente, o brigadeiro Rafael Pinto Bandeira [...]”, e que este teria requerido ao Governador da Província, em data de 1780, “a posse de uma faixa de terras na costa da Lagoa dos Patos, que se estendia desde o Arroio Grande do Sul até o Arroio Carahá. [...]”.
Embora irrelevante, não é por demais lembrar que em História, qualquer afirmativa no sentido de primeiro isto ou o pioneirismo daquilo são afirmações que não resistem ao tempo por estarem sempre sujeitas a novas pesquisas, que por sua vez trarão outras afirmações. Também é dito que na petição encaminhada ao Governador, Rafael alegava “possuir essa gleba desde 1776, onde teria construído casa e currais”; e que o Governador havia concedido a área requerida “no mesmo ano da petição, ou seja, em 1780”.
Bem, visto está que Rafael então tinha a posse da tal área desde o ano de 1776 e ali havia construído “casa e currais”. No entanto, logo a seguir é dito que: “Fica também evidenciado que o brigadeiro Pinto Bandeira não morou nestas terras, pois vivia em Rio Grande e, como se sabe, era um dos maiores proprietários da Província”.
Vejamos dois aspectos das afirmações feitas: o primeiro, no que diz respeito a Rafael não ter morado naquelas terras por viver em Rio Grande; ora, Pinto Bandeira, assim como tantos outros homens da sua época, possuíam estâncias e charqueadas, ou apenas charqueadas e tinham casa em Rio Grande, o que era plenamente compreensível e necessário, considerando a importância da cidade de Rio Grande, principalmente no caso de Rafael Pinto Bandeira, se pode até dizer que, em certo contexto, Rafael viveu em todo o Continente; pois era Pinto Bandeira o próprio Continente.
O segundo aspecto é quanto a afirmação de que: “como se sabe, era um dos maiores proprietários da Província”. Como assim, “como se sabe”? Quem é que sabe disso? Quem afirmou isso? Quem documentalmente provou tão propagada afirmação? Alguém sabe?
O que se sabe é que Pinto Bandeira, assim como tantos outros militares, militares-estancieiros, militares-charqueadores, militares-comerciantes ou apenas comerciantes tiveram, em sua quase maioria, mais de uma sesmaria. Mas essas eram possuídas, quase sempre, de forma transitória. Eram sesmarias que, de acordo com a função ou deslocamento de quem as estivesse de posse, transferia a um outro sesmeiro e, em muito poucos casos, foram acumuladas.
No caso de Rafael Pinto Bandeira, que saibamos, quando da sua morte coube à viúva e filhos apenas a sesmaria do Pavão.
Voltando a São Lourenço e a área de terras concedida ao Brigadeiro, é dito ainda: “Além do que, não há documentos que amparem essa ideia”, de que um dia tivesse, Pinto Bandeira, “pessoalmente habitado o município”.
Tais afirmações trazem em si duas contradições. Uma, a de negar o dito pelo próprio Rafael que “alegava possuir essa gleba desde 1776, onde teria construído casa e currais”; a outra, é a de desconhecer o processo de concessão das sesmarias que eram confirmadas depois de reconhecida a posse alegada pelo requerente. Tal processo se dava da seguinte forma: o peticionário encaminhava o requerimento, nele fazendo constar ou que já estava na posse ou que a área requerida era devoluta, além de informar que havia construído casa, currais, nelas tivesse algum tipo de plantação, e ali estivesse com sua família, escravos, animais muares e/ou vacuns, pelo menos.
Feito isto, o documento subia até o Vice-rei que despachava mandando que fosse ouvido, por escrito, o parecer do Governador da Província, a Câmara e o Provedor da Fazenda Real, que atestavam a veracidade das informações prestadas pelo requerente.
Diante de tais circunstâncias, parece-nos temerário qualquer afirmação no sentido de não ter Rafael Pinto Bandeira, de alguma forma, habitado as terras das quais foi sesmeiro, no hoje município de São Lourenço do Sul.
É possível, no entanto, que ouvindo o que tem a dizer o Brigadeiro, quanto às terras que esteve de posse, tenhamos uma melhor compreensão do acontecido: “Diz Rafael Pinto Bandeira, Coronel da Tropa de Cavalaria Ligeira, que ele, Suplicante, serve a Sua Majestade há vinte e sete anos e, tendo tomado uns campos na costa do Rio Grande para estabelecimento e criação de dois mil e trezentos animais, que ali têm conservado desde a era de setenta e seis [1776], o Governador, antecessor de Vossa Senhoria, foi servido despachar sete requerimentos, todos [eles] para dentro dos mesmos campos; e por que, o Suplicante, não pode continuar naquele lugar, pelo pouco terreno que lhe deixaram à criação dos animais, que ele [ali] tem, recorre a Vossa Senhoria seja servido atender aos serviços do Suplicante, em lhe conceder um rincão que está da parte de lá de Camaquã, pela estrada que vai para o Rio Grande, cujo, principia no Arroio do Cara-á e tem três léguas de comprido e duas de largo, cujo rincão o divide o mesmo Arroio Cara-á; e pela parte do Norte, o Arroio das Pedras; e pela parte do Sul fazendo fundos sempre no Camaquã, em cujo terreno o Suplicante teve casas e currais, desde a era de setenta e oito [1778]. Pede a Vossa Senhoria seja servido atender ao requerimento do Suplicante, com a justiça que costuma, e receberá mercê”.
Diante da solicitação feita por Rafael Pinto Bandeira, o então governador Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, como era de praxe, pediu em documento firmado em Porto Alegre aos vinte e seis dias do mês de junho de mil setecentos e oitenta, que o Brigadeiro José Casemiro Roncalle, comandante da Fronteira do Rio Pardo, informasse quanto a veracidade do dito por Rafael Pinto Bandeira em sua petição.

Continua...



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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
*Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 17 de julho de 2011.

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