segunda-feira, 22 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (15)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

O Edital (de 06.10.1798)

“O Juiz Presidente, Vereadores e Procurador do Senado da Câmara desta cidade de Nossa Senhora da Assunção de Cabo Frio, que servimos até o presente ano por eleição, na forma da Lei, etc.: Fazemos saber a todos os moradores desta Cidade e seu distrito que, para o bem de darmos execução às Ordens do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde, Vice-rei, que nos foi dirigida a respeito da continuação e benefício das Salinas, se nos foi preciso determinar o seguinte: Que as Salinas deste Continente ficam francas ao Povo; o qual, querendo beneficiá-las o poderão fazer nos lugares que por esta Câmara lhes for assinalado [determinado, demarcado, indicado]. Que para S. Majestade não será reservado Salina alguma, nem tampouco para pessoas que não sejam deste Distrito; que as Salinas, chamadas do Chiqueiro e da Costa ficam reservadas para a pobreza, sendo estas, por ela beneficiadas; que não entrarão no rol da pobreza, aquelas pessoas que tiverem escravos, ou algum estabelecimento; que o pobre poderá requerer sua data [terreno] para nela trabalhar, e essa lhe será concedida; que aquelas pessoas deste Distrito, a quem lhe for concedido data, as poderão beneficiar, e os que não as têm, as poderão requerer; que todo aquele que perturbar as bem intencionadas Ordens, dirigidas pelo mesmo Excelentíssimo Senhor em benefício do Povo deste Distrito, será condenado em seis mil réis para as despesas desta Câmara, e em trinta dias de cadeia, além de serem remetidas ao mesmo Excelentíssimo Senhor; que todas aquelas pessoas que receberem as Salinas e usurparem o sal, tanto dos particulares como das reservadas à pobreza, serão punidas com as mesmas penas acima declaradas, e o direito reservado ao Senhorio da mesma para proceder contra os delinquentes, como usurpadores da fazenda alheia; que a todos aqueles que for concedido datas de Salinas, as deverão beneficiar no prazo de seis meses, e não o fazendo no referido tempo, serão dadas a outros que pedirem os mencionados lugares, e a esses os serão concedidos.
E para que chegue ao conhecimento de todos e não aleguem desconhecer, mandamos fazer quatro Editais destes, que serão publicados e afixados nos lugares públicos e Registrado no Livro competente.
Dado e passado sob nossos sinais em Câmara de seis de outubro de 1798; e eu Antônio Gonçalves Freire, Escrivão da Câmara, que o subscrevi. Barreto – Santos – Couto e Lopes”.
A razão de darmos ênfase às Salinas de Cabo Frio e seus desdobramentos, aparentemente sem maior relevância neste nosso trabalho, deve-se a vários motivos, dentre os quais, com elas ter-se envolvido Alexandre Inácio da Silveira. A esta, podemos acrescentar ainda o corpo do Edital da Câmara de Cabo Frio, que não há dúvida alguma ter um caráter de Código de Posturas; bem como, através dele, podemos ter uma ideia do estado de pobreza de um indivíduo na época, qual seja, o de não ter escravo. E, por último, é por meio dos episódios de Cabo Frio que acaba o monopólio do sal no Brasil.
Portanto, se a uns parece enfadonho longas reproduções de documentos históricos; outros o saberão apreciar, e daí extraírem algum proveito.
 A correspondência da Câmara ao Vice-rei, e as reservas de Salinas feitas por Alexandre Inácio da Silveira

Aos dezessete dias do mês de outubro de 1798 a Câmara de Cabo Frio, representada por Sebastião Leandro dos Santos, Marciano Nogueira Lopes, Matias da Costa Barreto e Luiz Lopes Couto, enviou uma carta ao Vice-rei, comunicando-lhe que em virtude da Carta a eles enviada em vinte e quatro de abril do mesmo ano, havia chegado àquela Cidade o Capitão Graduado José Correa Rangel e que, em virtude disso, haviam feito uma sessão na Câmara, com o intuito de ajustarem os termos para que fosse dado continuidade no benefício e cultura das Salinas, “conforme V. Exª. nos determina”.
Disseram, também, que em conformidade com a determinação, assentaram de darem as datas de Salinas, àquelas pessoas que as pedissem, e que estivessem de acordo com o Edital, “que anexo remetemos a V. Exª.”, o que cumpririam fazendo todo o possível para que o benefício das Salinas progredisse.
Com relação aos terrenos, “que Alexandre Inácio da Silveira beneficiou em nome de Sua Majestade e que, com a sua retirada, deixou este povo, em parte, esmorecido e frouxo, ficam estes aguardando determinação de V. Exª. quanto ao que deles ser feito”.

Uma outra Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza (datada de Cabo Frio aos dezenove de outubro de 1798)

Nesta nova Carta, disse Felicíssimo ao Vice-rei que com a retirada de Alexandre Inácio, havia corrido por aquele Distrito uma notícia de que Alexandre Inácio fabricara alguns tanques de Salinas em sociedade com o Capitão Brás Carneiro Leão, boato este que ele não conseguira apurar; porém, “esta notícia desanimou a todos os que cuidavam dessas Salinas e que já as tinham abandonado; mas agora, animados pela proteção de V. Exª., retomaram-nas com muito fervor”.

Carta-relatório do Capitão graduado com exercício de Engenheiro, José Rangel de Bulhões (datada de Cabo Frio em 23 de outubro de 1798)

Iniciava Rangel a carta-relatório informando ao Vice-rei sua chegada e o encontro, na Câmara, com o Juiz e demais Oficiais desta. A seguir, diz ter inquirido os habitantes do Distrito sobre o motivo que os levou a desanimarem do trabalho que tinham iniciado a fazer nas datas de Salinas, que lhes haviam sido concedidas, e que lhe pareceu ser constante, que da conduta de Alexandre Inácio da Silveira nascera toda a desconfiança dos que estavam trabalhando, bem como a dos que estavam determinados a fazê-lo. Quanto a Alexandre, diz Rangel que, tão logo ali chegou, começou a reservar os lugares de melhores Salinas, e mais próximos da Cidade, para Sua Majestade; e que em seguida, nelas começou a trabalhar, usando os escravos do capitão Brás Carneiro Leão, do qual diziam ter recebido 12 contos de réis, a título de interessado naquele trabalho. Também informou que, além dos escravos de Brás Carneiro, outros escravos e índios foram pagos por Alexandre. E que constava aos habitantes, que nas Ordens dirigidas pelo Vice-rei não falavam sobre reservas de Salinas para S. Majestade e nem tampouco para se admitirem pessoas de fora daquele Distrito, e que tais procedimentos os levaram a desconfiar, somando-se, ainda, a existência do Contrato, “pelo que se persuadiram todos por tratar-se de um projeto fantástico [fantasioso] e não verdadeiro, acabando de os desanimar a ausência imprevista de Alexandre Inácio”.

Continua...

____________________________________________
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 21 de novembro de 2010.

Nenhum comentário: