domingo, 12 de dezembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (18)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

As Salinas de Cabo Frio voltam ao monopólio da Coroa portuguesa

Em Ofício de 30 de maio de 1799, enviado pelo Vice-rei, o Conde de Rezende, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, lamentava ele que depois de ter intentado promover o benefício das Salinas de Cabo Frio, persuadido de que resultaria em grande utilidade e proveito aos moradores daquele Distrito, regozijava-se de saber, no seu entender, que aquele estabelecimento e ramo de comércio seria permanente, dada a eficácia e interesse despertado em todos os habitantes; entretanto, tendo recebido o Aviso de 28 de agosto do mesmo ano, em um dos seus artigos informava que, não obstante a necessidade de sal justificar a abertura das Salinas, mandara Sua Majestade dizer que não queria mais que se trabalhassem tais Salinas, se não por conta de sua Real Fazenda; vedando, portanto, aos particulares continuarem suas empresas e, em consequência daquele Aviso, havia determinado que os Oficiais encarregados da direção daquelas Salinas, depois de informarem à Câmara o que Sua Majestade resolvera, mandasse imediatamente a Câmara suspender todo o trabalho ali desenvolvido; porém, como não recebera instruções de como iriam funcionar por conta da Real Fazenda, que ficassem as Salinas no estado primitivo, até que recebessem novas Ordens.
Apesar de todas as providências, infortúnios e promessas, as dificuldades dos moradores, comerciantes e charqueadores do Continente em receberem sal, continuavam.
Na Corte, a Companhia de Carvalho, Silva & Pereira, comerciantes na praça da cidade do Porto, obtiveram, por graça de Sua Alteza Real, permissão para levarem em “direitura” ao Rio Grande de S. Pedro trezentos ou mais moios de sal no bergantim Expedição. Em vista disto, lhes foi passado o competente passaporte de viagem, devidamente assinado pelo secretário de estado da Marinha e Ultramar em 04 de setembro de 1799; o que não foi suficiente, pois o Cirurgião responsável, após a vistoria, lhes embaraçou o embarque com o fundamento de não se achar aprovado segundo as novas ordens expedidas no Proto Medicato; tal embarcação e outros percalços burocráticos só foram resolvidos em agosto de 1800, quando, ao que parece, puderam empreender a viagem.
A escassez de sal não atingia somente o Continente de São Pedro. Também a Capitania do Rio de Janeiro, sede do Vice-rei, queixava-se inclusive do Administrador encarregado da distribuição do produto. E por tal motivo, o secretário de estado da Marinha e Ultramar fez chegar ao Vice-rei, o Conde de Rezende, um Ofício pedindo explicações sobre tais abusos.
Informou o Vice-rei ao secretário, que de posse do Ofício de nº 39, tomou conhecimento do parágrafo de uma carta enviada desde o Rio de Janeiro sobre os abusos praticados pelo Administrador do Contrato do Sal, naquela Cidade; e que tomasse ele “as necessárias providências para que cessassem tão intoleráveis abusos”.
Quanto a isto, tinha ele a informar, que não querendo justificar a conduta do referido Administrador mas, “julgando pelos sucessos, posso certificar a V. Exª., que Luiz Antônio Ferreira foi o primeiro a requerer-me providências para se distribuir, com igualdade, a diminuta porção de sal que existia nos Armazéns, fosse por falta de abundantes remessas de Lisboa, ou pelos contratempos havidos com os navios”.
Disse, também, que a ele haviam chegado, pelo povo, tais rumores em desabono de Luiz Antônio Ferreira; porém, tais acusações não tinham sido comprovadas e tampouco existia fundamentos que justificassem contra o Administrado, alguma represália que lhe embaraçasse a distribuição do sal, “que até se achava regulada para os Distritos desta Cidade, segundo o consumo de cada um”. Disse ainda o Vice-rei que havia motivos para se pensar que tais rumores procedessem de “homens ambiciosos aproveitando-se da conjuntura, apesar da calamidade do povo, constituindo monopólios, vendendo por preços exorbitantes aquelas porções de sal, que por eles e por interpostas pessoas, compravam debaixo de diferentes pretextos e afetadas alegações”.
A seguir, acrescenta o Vice-rei, que à medida que as remessas de sal foram chegando de Lisboa, “todo o queixume do povo, depois que francamente se entrou a vender o sobredito gênero, foi também cessando”.
Finalizando a resposta ao Secretário, disse o Vice-rei que nestas circunstâncias, lhe havia requerido o Administrador, Luiz Antônio Ferreira, a nomeação de um sócio, que participasse com ele na administração, a fim de justificar os procedimentos de suas atribuições; mas, “nem V. Exª. me avisa da necessidade desta providência; pois apenas me remete a cópia do parágrafo de uma carta escrita de um modo pouco sério e pouco digno de crédito; nem eu devo desautorizar a este homem, por suposições, dando a perceber na pretendida nomeação o meu conceito que dele se forma. Havendo ainda a razão de que sendo a escolha de um sócio totalmente minha poderia recair essa escolha em suspeito, correndo-se ainda o risco de que, mais por ignorância do que por malícia, viesse esse a cometer erros prejudiciais ao Contrato. E no caso de ser nomeado por indicação ou influência do Administrador, não se poderia remediar a desordem, caso o novo sócio mantivesse o mesmo sistema de administração”.
Assinou e datou a resposta aos 29 dias do mês de novembro de 1799, na certeza de ter dado providências às circunstâncias que se fizeram necessárias, e que nada moveria sem que recebesse ordem ou sobreviesse motivo urgente que o obrigasse a ter de escolher entre o bem do “povo inteiro, e a vantagem de um único particular”.
Já na Capitania de São Pedro, os vassalos, agora do Príncipe Regente, pediam ao governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara que os protegesse das embarcações que iam em direção ao porto de Montevideo “debaixo do fingido pretexto de arribadas forçadas” e, lá, carregavam couros, farinhas e carnes salgadas, “com sensível abatimento nos preços”, em direção ao Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, ocasionando graves prejuízos à classe dos comerciantes, lavradores e fazendeiros da capitania do Rio Grande, responsáveis pela “abundância necessária para abastecer as outras acima referidas”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 12 de dezembro de 2010.

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