domingo, 24 de outubro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (10)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Charque, charqueadas e charqueadores


Com a morte de Rafael Pinto Bandeira, coube a Manoel Marques de Souza informar ao Secretário Martinho de Melo e Castro o ocorrido: “[...]. Acaba de falecer no dia nove do corrente [09.01.1795] o Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, meu Chefe e primo, tão conhecido e protegido de V. Exª. pela sua aptidão e serviços feitos ao Estado neste Continente, sua Pátria. E recaindo em mim o Comando da Tropa, de que ele era chefe, como tenente-coronel dela, encontrei entre outros papéis [...]”. Dentre os papéis encontrados e enviados por Marques de Souza, em 25 de janeiro de 1795, estava o Mapa das embarcações saídas, carregadas de gêneros produzidos no Continente, pelo porto do Rio Grande, durante os anos de 1790 a 1794.
Reproduzimos, aqui, tão somente, o número de embarcações e o charque nelas carregado; e salientamos ainda que o preço da arroba deste foi de 500 réis em todos os anos. Vejamos: 1790, embarcações (89), carga: 209.418 @; 1791, embarcações (114), carga: 255.326 @; 1792, embarcações (112), carga: 295.671 @; 1793, embarcações (121), carga: 404.745 @ e, em 1794, embarcações (137), carga: 443.462 @.
Se de um lado vemos o progressivo aumento anual da produção de charque, de outro vamos novamente encontrar Alexandre Inácio da Silveira suplicando ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, por mais sal, o que animará a todos “[...] a aumentarem as suas Fábricas de Carnes, couros salgados, manteigas e queijos, por o terem certo e mais perto das suas oficinas [fábricas] quando dele o precisarem; porque até o presente este gênero lhes têm faltado, pelo motivo de não o quererem vender nas diversas Capitanias para onde navegam com suas embarcações carregadas de gêneros de primeira necessidade, com tanta fertilidade e grandeza, que têm chegado às Costas de Leste, Minas e Sertões de Pernambuco. E sendo este ramo do Comércio o maior e o de primeira necessidade de todo o Brasil, digno de utilidade aos Reais direitos de Sua Majestade, se vêem, todos os moradores do Rio Grande, obrigados a sofrerem deste importante Comércio se V. Exª. os não auxiliar na mercê que pedem, não só porque está provado, por experiência observada, que o sal da Europa não é útil para a melhor conservação das carnes, como porque, tendo algumas embarcações dos Suplicantes aportado na Bahia e Pernambuco para venderem os seus gêneros comestíveis, querendo nesta retirada comprarem o sal necessário para o uso das suas fábricas [ilegível], além de se lhes vender por maior preço do que o concedido por Sua Majestade, se lhes têm negado: respondendo os arrematadores do Estanco [do sal], que em primeiro lugar os preferem vender às respectivas Capitanias, obrigando-os, por este injusto meio, a voltarem com suas embarcações alastradas de areia. [...]”.
No longo arrazoado e súplica que faz o procurador Alexandre ao secretário de estado, anexa uma série de certidões passadas pelas Capitanias de Paraíba do Norte e Pernambuco a seu pedido: “Senhores Desembargador-presidente e Inspetores da Mesa da prospecção: Diz Alexandre Inácio da Silveira, que se faz, a bem da Representação que quer fazer a Sua Majestade Fidelíssima, que V. Sª. e Mercês lhe atestem se é útil aos Direitos Reais e interesses particulares dos negociantes e habitantes desta Comarca, a transportação do sal, nela fabricado, para a Capitania do Rio Grande do Sul e a exportação, para esta Comarca, de carnes salgadas daquela Capitania, pela necessidade de gados, devido à esterilidade [seca] de dois anos e que prejudicou todos os Curtumes desta Comarca. Pelo que pede a V. Sª. e Mercês se dignem atestar a verdade do exposto, e receberão Mercê”.
A Atestação: “O Desembargador Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca da Paraíba do Norte, Presidente da Mesa da Inspecção e Inspetores desta por S. Majestade Fidelíssima, que Deus Guarde &, Atestamos que a exportação das carnes da Capitania do Rio Grande do Sul é muito necessária nesta Comarca, em virtude da esterilidade em que ficaram os Curtumes pela falta [de couros] provocado pela seca, que aqui grassou. E que, igualmente, é útil a transportação do sal desta Comarca, por nela haver em abundância. O que tudo resulta também à utilidade dos Direitos Reais, aumento dos dízimos e benefício comum destes povos. E por esta nos ser pedida pelo Suplicante, a mandamos passar e vai subscrita pelo Escrivão da Mesa e por nós assinada. Paraíba, 12 de janeiro de 1795. [...]”.
Quanto à Capitania de Pernambuco, informou o escrivão de Recife, Luiz José de Siqueira que, “[...] desde o ano de 1792 até o de 1794, achei neles [livros] do sal vendido aos negociantes do Rio Grande do Sul na soma de 4.250 alqueires; a saber: no ano de 1792, a Manoel Ferreira de Carvalho, 1.200 alqueires conduzidos na Sumaca Santa Ana, Santo Antônio e Almas; e no ano de 1794, a Antônio da Costa Mineiro, 1.400 alqueires, conduzidos pela Sumaca Nossa Senhora Mãe dos Homens, e ainda no mesmo ano, a Manoel Bernardes, 1.650 alqueires, pelo Bergantim Nossa Senhora da Conceição, e Felicidades; [...]”.
Encerrando a longa Representação, propunha Alexandre Inácio: “[...] Nestas circunstâncias, toma o Suplicante a deliberação de trazer a V. Exª. o número [quantidade] de mil barris de Carne de Moura, de seis arrobas cada, por donativo deste Contrato, para suprimento da Real Marinha de Sua Majestade, [...] e esperando de S. Majestade a mercê para arrematação do mesmo Contrato, sujeito às condições nele contidas, a fim de que o Suplicante possa voltar ao porto de Pernambuco e carregar de sal o número de até quarenta embarcações, oriundas da sua Capitania do Rio Grande e que já, na saída do Suplicante, principiavam a chegar a Pernambuco carregadas de carnes salgadas, [...]”.
Tendo em vista, no nosso entender, a importância deste personagem, Alexandre Inácio da Silveira, nas suas diversas tentativas de resolver a crucial questão do sal para a Capitania do Rio Grande, resolvemos trazer alguns traços biográficos deste, considerando que dele não há referência alguma na historiografia pelotense ou em obras que tratem sobre charque e charqueadas: Alexandre, natural do Continente (provavelmente nascido em Rio Grande por volta de 1760), era filho do tenente de mar Matheus Ignacio da Silveira e de Dona Maria Antônia da Silveira. O pai, Matheus, era natural da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias (Ilha de Fayol), filho de Miguel Corrêa da Silveira e de Dona Maria Jacinta. A mãe, Dona Maria Antônia da Silveira (irmã de Isabel Francisca da Silveira e de Mariana Eufrásia da Silveira), era natural da Freguesia de São Salvador (Ilha do Fayol) e filha do alferes Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira.
Ao buscarmos informações sobre Alexandre Inácio da Silveira, nos foi possível elucidar três fatos novos para a história de Pelotas. O primeiro deles é o ano da morte do Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, 1796; o segundo, foi o nome completo de sua mulher, Isabel Francisca da Silveira, e não apenas Isabel Silveira como se supunha. E que esta era filha do Alferes Antônio Furtado de Mendonça e de Isabel da Silveira – o que não se tinha certeza.
Alexandre Inácio, em julho de 1796, ao solicitar à Rainha o posto de Capitão-mor das Ordenanças, que vagara – conforme palavras do próprio – por falecimento de seu tio Manoel Bento da Rocha, disse ser Ajudante das Ordenanças da Capitania do Rio Grande.
No pedido, que lhe foi negado, anexou vários documentos, e dentre eles o atestado assinado por Joaquim José dos Santos Cassão, Capitão-tenente das naus da Armada Real e Comandante das fragatas de Sua Majestade, Mãe de Deus, São José e Belona, cujo teor informava que ele, Alexandre Inácio da Silveira, exercera as funções de Voluntário Exercitante, Sargento de Mar e Guerra e a de Oficial do Detalhe na Fragata Belona até 10 de janeiro de 1779, data em que desembarcou na cidade do Rio Grande.
Já em requerimento de 17 de julho de 1801, no qual solicitou à Coroa a devolução dos documentos que anexara no pedido de 1796, se dizia Capitão de Fragata Graduado na Real Armada.

Continua...
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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.

Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 17 de outubro de 2010.

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