sábado, 22 de janeiro de 2011

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (23)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

O estabelecimento dos irmãos Almeida e seus sócios chega ao Continente de São Pedro, trazendo irlandeses e suas técnicas na salga de carnes

O patrimônio parcial dos Almeida e seus sócios

A sociedade formada pelos irmãos Pereira de Almeida e outros sócios era proprietária, dentre outras, das seguintes embarcações: bergantim Ânimo Grande, navio Spike, navio Nossa Senhora da Lampadosa e a galera Providência, todas envolvidas em constantes viagens entre o eixo Lisboa-Rio de Janeiro-Rio Grande de São Pedro.
Embora não tenhamos conseguido documentar que a escolha da carne salgada recaiu sobre a amostra enviada pelo Estabelecimento dos Almeida, podemos, através do documento expedido pela Real Junta da Fazenda da Marinha, deduzir que tal aconteceu, pois, “Por Aviso de trinta e um de julho próximo pretérito [1804], do Conselheiro de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha, Ordenou Vossa Alteza Real, que esta Real Junta consultasse com efeito o requerimento de Joaquim Pereira de Almeida & Companhia, em que representa: Que tendo estabelecido no Rio Grande de São Pedro uma salga de carnes, à maneira das da Irlanda, curtumes de sola, fábrica de queijos e refinação de sebo, tudo à custa de enormes despesas com este vasto estabelecimento e com os Mestres [irlandeses], que para este fim mandaram da Europa; e que todos os ramos da sua instituição prosperaram de tal sorte, que a Esquadra de Vossa Alteza Real, tanto nos mares daquele Continente, como nos deste Reino, se tem provido das carnes daquela Manufatura, com geral aprovação dos Comandantes, que nas suas Contestações as consideram, se não superiores, iguais às da Irlanda, pelas quais Vossa Alteza Real, até aqui, exportava (desembolsava) consideráveis somas” (grifos nossos).
Dando continuidade ao documento apresentado à Junta, pelo estabelecimento de Joaquim Pereira de Almeida & Companhia, argumentam estes que: “Contudo, como tais empresas são, no princípio, sujeitas ao capricho dos Compradores, que, habituados com os gêneros de fora, recusam os Nacionais, conquanto uma longa experiência os não convence da sua igualdade ou melhoria, não pode este Estabelecimento permanecer sem um consumo certo e determinado, para com o seu produto fazer face ao avultado custeio e quantiosos avanços que, por muito tempo, devem ficar amortecidos.
A Marinha Real proveu-se, até aqui, do produto estrangeiro, com consideráveis partidas de carnes salgadas, que lhes são necessárias para o seu gasto [consumo]. As da dita Fábrica, dos Suplicantes, têm sido aprovadas no Arsenal; parece, portanto, que devem ser preferidas às de fora; pois, por este meio, promove Vossa Alteza Real um ramo útil da indústria nacional. Propaga, na América, esta sorte de estabelecimentos com que este Reino poupará grande cabedal, que, por este artigo, exporta para o consumo da navegação portuguesa.
Por estes motivos, dignos da consideração de Vossa Alteza Real, propõem os Suplicantes o Contrato, no qual juntaram as condições para se lhes tornar no Arsenal, a porção que se possa consumir na Marinha Real. O modo de pagamento, que estipulam, não é em dinheiro de contado [à vista]; e sim, uma permuta por pólvora e cabos, que ao mesmo tempo que alivia a Fazenda de Vossa Alteza Real, porque vende os seus efeitos e compra por menor preço, e sem desembolso pecuniário, promove o adiantamento e progresso de duas Fábricas Reais.
Sem este auxílio, debaixo de todos os aspectos, útil aos Suplicantes e vantajoso à Fazenda de Vossa Alteza Real, e ao público em geral, não pode subsistir o Estabelecimento dos Suplicantes no Rio Grande, que por isso serão obrigados a abandoná-lo, chamando os Mestres e perdendo os incalculáveis fundos que empregaram nesta Empresa, por insinuação de Vossa Alteza Real. Portanto: Pedem a Vossa Alteza Real seja servido acudir a esta ruína, aprovando o Contrato que oferecem.

O Contrato proposto

Joaquim Pereira de Almeida & Companhia podem fornecer ao Real Arsenal da Marinha até 2.500 barris de carne de vaca salgada do Rio Grande, de seis arrobas cada barril, cuja salga é feita pelos Mestres irlandeses, que ali têm. As carnes são da melhor qualidade, aos moldes das da Irlanda.
O preço do barril, posto em Lisboa, é de 11$000 [onze mil réis]; e no Rio de Janeiro, para ser carregada nas embarcações de S. A. Real, aonde podem vir por lastro e até servir para o uso das mesmas no Brasil, a 9.000 réis, tudo debaixo das seguintes condições:
Que a Real Fazenda deve receber aquela quantidade que importar, isto, pelo tempo de nove anos; e a dita carne, deverá ser examinada no ato da entrega.
Que eles, ditos, Joaquim Pereira de Almeida & Companhia, poderão livremente mandar vir de fora, até dez mil arcos de ferros de pipas, quarenta arrobas de salitre e navegar estes dois gêneros da mesma forma para o Rio Grande, e ainda com escala no Rio de Janeiro; assim como remeterem desta [Praça] dois mil moios de sal, debaixo da mesma isenção e navegação, e isto tudo em cada ano, vindo e indo com as competentes Guias, que assim o provem.
Que este Contrato deverá ter o seu efeito seis meses depois que chegarem ao Rio de Janeiro os Decretos assinados por Sua Alteza Real; se, contudo, antes deste tempo, eles, Contratadores, tiverem alguma porção pronta, se lhes será recebida logo que apresentarem para ser examinada.
Que a eles, Contratadores, não lhes serão quintados [cobrados o quinto] dos couros das reses que matarem, até a quantia de dez mil por ano; e isto, depois de findo o atual Contrato, pois, que está contratado, e não pode, em consequência, ser alterado; mas sim, deve ter lugar na mesma Arrematação.
Que eles, Contratadores, serão obrigados a receberem em pagamento da dita carne metade em pólvora das Reais Fábricas de S. Alteza Real, e metade em cabos da Real Cordoaria; e isto, pelo preço que estiverem vendendo no tempo e mês que fizerem a entrega; e demonstrado assim o terem feito, pelos Conhecimentos que apresentarem, e a cuja apresentação será logo entregue a pólvora e os cabos; e isto, pelo valor da carne, que aqui entregarem; e, a que for, no Rio de Janeiro, caso tenha lugar, lhes será ali paga pela Junta da Real Fazenda, ou por quem tiver a seu cargo os mais pagamentos das Reais Esquadras; e isto, um mês depois da entrega. N. Bem: persuadem-se que a Real Fazenda gasta anualmente nesta porção de 2.500 barris de carne, pouco mais ou menos; e a tem comprado, há anos, pelo preço de doze a dezesseis mil reais da Irlanda, Dinamarca, América e outros.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 23 de janeiro de 2011.

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