segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

DESFAZENDO MITOS*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Paulo Xavier, em artigo intitulado “Um Cearense Iniciador de Nossas Charqueadas?”, publicado no Caderno de Sábado do Correio de Povo de 11.12.1971, p. 6, foi o primeiro a questionar a naturalidade e nacionalidade do português José Pinto Martins.
No início de seu artigo, Xavier nos diz o seguinte: “Por certo muitos já ouviram falar que o iniciador das charqueadas gaúchas era cearense”, para, a partir de então, construir seu texto.
Elenca, a seguir, duas ou três fontes, que afirma ter sido José Pinto Martins o “fundador da indústria saladeril no Rio Grande do Sul”. A primeira, extraída do “Retrospecto Econômico e Financeiro do Rio Grande do Sul”, publicado por Florêncio de Abreu em Porto Alegre, no ano de 1922, onde consta que: “A primeira charqueada do Rio Grande do Sul data do ano de 1780. Foi instalada pelo cearense José Pinto Martins junto ao arroio Pelotas”.
Diz também Xavier que antes dele, Florêncio, o Barão de Studart, em seu “Dicionário Biobibliográfico cearense” (FORTALEZA, 1913), havia registrado a versão.
Por último, informa Xavier que “Para Renato de Almeida Braga, antigo diretor e professor catedrático da Escola de Agronomia do Ceará: ‘Foi um cearense, José Pinto Martins, tangido para os pampas em consequência de uma seca, o fundador da indústria saladeril no Rio Grande do Sul. José Pinto Martins era do Aracati e, em 1780, assentou pequena fábrica de carnes, em terras pertencentes a Manoel Carvalho de Souza à margem direita do Pelotas’. Neste trabalho que estuda a indústria da carne seca no Ceará e, particularmente, no Aracati, informa que a seca determinante da imigração de Pinto Martins foi em 1777-78,” e que esta “teria sido a primeira grande seca da história do Ceará”.
Na continuidade do artigo, e com o firme propósito de desfazer o mito de que um “cearense”, José Pinto Martins, havia sido o iniciador das charqueadas no Rio Grande do Sul, Xavier faz a seguinte afirmação, quanto ao até então por ele exposto: “Tudo isso parece possível, sem dúvida. Mas interessa antes de tudo que seja verdade histórica”.
A seguir, Paulo Xavier aporta alguns documentos que demonstram a existência de charqueadas no Rio Grande do Sul, décadas antes da chegada de José Pinto Martins.
Entende Paulo Xavier que a principal indústria do Rio Grande do Sul, a do charque, havia nascido nas estâncias; pois, “A grande massa de carne, entretanto, era charqueada para suprir a alimentação de todos, no intervalo das carneadas. Neste tratamento da carne – desmanchá-la em mantas e secá-la ao sol em varais, depois de bem salgadas – tem origem a principal indústria nascida nas estâncias – a do charque – que logo tomou grande impulso e sobrevive até nossos dias” (XAVIER, 1964, p. 59).
Estabelecer uma gênese da indústria do charque no território do atual Rio Grande do Sul, não nos parece uma tarefa fácil. Entretanto, fosse essa nossa intenção – e não o é –, discordaríamos da afirmação feita por Xavier; pois, entendemos que juntamente com sua hipótese, qual seja: a de que a indústria do charque nasce nas estâncias, teríamos que considerar duas outras. A primeira delas é a de que as primeiras charqueações, feitas no solo sul-rio-grandense, foram as feitas por lagunistas e tropeiros “por volta da terceira década do Século XVIII, na região do Quintão, jurisdição de Tramandaí” (MONQUELAT & MARCOLLA, 2010, p. 10). A outra, é de que “tal hábito antecede a chegada do Brigadeiro José da Silva Paes, como se pode ver na carta enviada a Gomes Freire de Andrada em 12 de março de 1737: ‘Porque há aqui uma tal praga de bichos, que chamam de traça, que tem arruinado vestidos, roupas e sapatos bem como o cartuchame. Este bicho come não só o papel, mas também a pólvora e ainda por ele vi até balas roídas. Quem aqui fosse nojento comeria muito pouco, porque são eles em tamanha abundância que estão caindo no prato por estarem as barracas cheias deles e de moscas que é um imensidade. Tudo nascido do charque que aqui faziam [...]’”. (MONQUELAT & MARCOLLA, 2010, p. 96, grifos nossos).
Finalizando o artigo, questiona Paulo Xavier: “Quem teria inventado essa estória de cearense fundando charqueada em Pelotas?”.
Na tentativa de esclarecer a questão proposta por Xavier podemos hoje dizer que não há a menor dúvida de que José Pinto Martins era português da cidade do Porto, “batizado na freguesia de Meixemel, filho de João Pinto Martins e de Catharina Pinto Martins”. Faleceu solteiro, em Pelotas, a 15 de junho de 1827 e seu corpo foi sepultado na Capela da Ordem Terceira de N. Sra. do Carmo, na Vila do Rio Grande, conforme Inventário de José Pinto Martins – nº 114, M-10, E-25, 1827, 1º Cartório de Órfãos – Pelotas (Arquivo Público do Estado).
Tais dados, no entanto, não respondem à pergunta que nos deixou Paulo Xavier; pois, o que ele quer mesmo saber é quem inventou “essa estória de cearense fundando charqueada em Pelotas?”.
Bem, tivesse Paulo Xavier vasculhado a historiografia pelotense, provável berço do mito, teria, por certo, descoberto a origem e o inventor dessa “estória”, que acreditamos tenha sido João Simões Lopes Neto “quando nos fala sobre Pinto Martins ao divulgar sua “Revista do 1º Centenário de Pelotas nos anos de 1911 e 1912” (MONQUELAT & MARCOLLA, 2010a, p. 10 e 2010b, p. 10).
Decorridos quarenta anos desde a data de publicação do artigo de Paulo Xavier, é estranho que, ainda hoje, este e outros tantos mitos na história de Pelotas ainda permaneçam.
Daí nos perguntarmos, fabricar ou manter mitos interessa a quem?

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Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 28 de dezembro de 2010.


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