quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A INSTRUÇÃO E A EDUCAÇÃO EM PELOTAS, NOS TEMPOS DO CÓLERA*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

A visita do cólera à província do Rio Grande do Sul aconteceu, por primeira vez, no ano de 1855.
Embora de estada curta, grosso modo, de outubro de 1855 a janeiro de 1856, essa epidemia, que reinou em várias províncias do império, ceifando milhares de vidas, alterou, e profundamente, o cotidiano dos súditos do imperador D. Pedro II.
Por outro lado, a “peçonha asiática” ou o “mal do Ganges”, como foi denominado, fez ver, às autoridades da época, quão frágil e vulnerável eram suas defesas e práticas de políticas públicas; quão despreparados eram seus projetos de saneamento urbano; bem como, serviu para mostrar os maus hábitos e a falta de higiene, que imperava entre o povo brasileiro.
Ainda que, por capricho, não tenha visitado anos antes (1848-49) o Brasil, esteve nas vizinhanças, atingindo uma das Guianas. Era o aviso, o sinal de uma visita anunciada e que, em breve, estaria reinando na corte do Imperador.
O cólera, como era de hábito, chegou ao Pará a bordo do vapor Defensor, oriundo da Europa e trazendo “colonos” portugueses embarcados na cidade do Porto (Portugal) para trabalho, em regime de semiescravidão, na Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas.
Do Pará, seguiu viagem, e sempre apoiado pela negligência, imperícia e imprudência das autoridades provinciais, mais preocupadas com os interesses econômicos de suas províncias, e seus, do que com o bem estar e a saúde de seus governados; fazendo escala em Pernambuco, Bahia – onde fez o maior número de vítimas – e outros estados, até chegar à corte. Da corte, às províncias do sul, pegou carona no vapor Imperatriz até a cidade de Rio Grande, onde desembarcou, para, em seguida visitar Pelotas, Porto Alegre, Jaguarão e outras localidades circunvizinhas.
Nas cidades de Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e Jaguarão, por serem mais populosas, fez o cólera maior número de vítimas. E entre essas vítimas estiveram, em maior e expressiva proporção, os pobres e os escravos.
A causa, ou causas dessa mortandade entre os pobres e os escravos, ainda que evidentes, não seria descabido relembrar que as péssimas condições de vida, e aqui estamos falando de moradia, alimentação e falta de recursos médicos, dentre outras tantas dificuldades, foram fatores determinantes para que esses tivessem suas vidas ceifadas por uma moléstia, até então, desconhecida.
Em Pelotas, a região mais atingida foi a das charqueadas localizadas na costa do Arroio. Ali, o cólera encontrou o ambiente propício; pois, nada poderia ser tão favorável, por insalubre, quanto o ambiente de uma charqueada. Ninguém tão qualificado para as funestas intenções do cólera, quanto o escravo, e, principalmente, o escravo de charqueada. Um escravo subnutrido e sobrevivendo em lugares sem as mínimas condições de habitabilidade e higiene.
As estatísticas e os boletins deixados pelos presidentes de província do período imperial, sobre o reinado do cólera, em sua primeira visita ao Brasil, são muitos e indicam que, milhares de pessoas foram vítimas fatais do cólera; mas, nos perguntamos: nesses dados podemos confiar? Podemos acreditar em tais informações, depois de sabermos que centenas e centenas de corpos foram queimados, ou enterrados em valas comuns, por não haver quem os pudesse ou quisesse enterrar? E as centenas de cemitérios improvisados em lugares descampados e fundos de quintais, tiveram pessoas presentes que, sobre tais mortes, lavrassem atestados ou registros daqueles óbitos?
Teriam os senhores de escravos arcado com as despesas de tratamento? E tais despesas eram cobradas. Ou com as despesas de sepultamento, (e para estas havia uma tabela) de seus escravos? E os escravos fugidos das charqueadas, que fim levaram? Sim, porque “a escravatura está fugindo, e que ali se propaga, que ela se dirige a esta cidade [de Rio Grande], e à vila de São José do Norte. A ser assim, chamamos a atenção de nossas autoridades; e bem como às daquela vila, para que semelhante gente não venha empestar lugares menos infestados”.
Essa “semelhante gente”, da qual falava a notícia, que aqui reproduzimos em parte, eram os escravos que, aproveitando-se do caos gerado pela epidemia, fugiram das charqueadas de Pelotas. Soube o presidente da província o destino deles, e se esses “empestados” morreram, fazem, por acaso, parte dos 446 coléricos, que as estatísticas oficiais apontam como o número de mortos na cidade de Pelotas?
Estas, e outras questões, são temas do livro que estamos concluindo sobre a primeira visita do cólera ao Brasil, com especial ênfase às cidades de Rio Grande, Pelotas e Jaguarão; pois, este artigo tem como propósito aproveitar o material recolhido, para aquele objetivo, um assunto que lá não estará, por falta maior de dados: a educação e a instrução nos tempos do cólera ou, e principalmente, a influência da epidemia no cotidiano do Colégio União, colégio este, “estabelecido na cidade de Pelotas, na rua Alegre [atual Gonçalves Chaves] canto da do Poço [atual Sete de Setembro]”.
De acordo com o diretor, “e único chefe do estabelecimento”, Antônio de Vasconcellos Vieira Diniz, aquele colégio interrompeu seus trabalhos escolares no mês de novembro de 1855, em virtude de ordem superior por causa da epidemia, “que então reinava”; mas, informava o diretor do estabelecimento, que este, “começará de novo a funcionar, no dia 8 do corrente [fevereiro de 1856]”.
Aproveitando o anúncio do retorno às aulas, explicou o diretor do Colégio que, tendo em vista “a suba de ponto [cálculo com as, ou das] despesas com o custeio do mesmo estabelecimento” desde a sua instalação, já pela exorbitante alta dos gêneros de primeira necessidade; já pelas despesas extraordinárias, feitas no “acrescentamento” de comodidades para os alunos; e, também, pela ajuda de custo da ida e volta, a um professor, que foi à corte, por conta do colégio, habilitar-se no método de leitura do Sr. Castilho¹: “o diretor vê-se na contingência de fazer algumas alterações nos preços até hoje regulados [cobrados]”.
Informava o diretor que o colégio continuava a receber pensionistas; meio-pensionistas e externos, sob as seguintes condições; ENSINO PRIMÁRIO: pensionistas, 25.000 réis; meio-pensionistas, 16.000 réis, e externos, 5.000 réis. O ensino primário, ou “esta secção”, compreende o ensino de primeiras letras, gramática nacional, aritmética até quebrados, doutrina cristã, noções de história sagrada, história e geografia pátria.
Já, o ENSINO SECUNDÁRIO: se cobraria dos pensionistas, 32.000 réis; dos meio-pensionistas, 16.000 réis e dos externos, 10.000 réis. “Compreende esta secção”, ou o ensino secundário, os preparatórios para qualquer das academias do império, ou para a carreira social, a que o aluno “tenha de dedicar-se”.
Os alunos pensionistas tinham direito aos princípios gerais de qualquer aula de Belas Artes; mas pagariam 5.000 réis mensais, logo que passassem “destes princípios” e quisessem dedicar-se, com especialidade, a alguma delas.
O Colégio encarregar-se-ia da lavagem da roupa dos pensionistas, cujos pais o quisessem, mediante a retribuição de 5.000 réis mensais.
As pensões e meia-pensões seriam pagas adiantado, sem abatimento algum por férias ou falhas, a cada trimestre; porém, no caso de moléstia que excedesse o tempo de um mês, o colégio perceberia somente a metade do valor da pensão. Os externos pagariam mensalmente e sob as mesmas condições.
Cada aluno, pensionista, pagaria na ocasião da entrada, e de uma única vez, a quantia de 32.000 réis; tanto para o fornecimento dos objetos de ensino, (à exceção de livros), como para a ocupação de marquesa (espécie de canapé, que serve de camilha, com fundo de sola, ou de palhinha, estofado, etc.), mesa, mocho, colchão, travesseiro, bacia e lavatório, durante o tempo que demorasse no colégio.
Além do enxoval, que deveria ser simples, modesto e marcado com as iniciais do nome do aluno, o colégio havia adotado um uniforme econômico; e cada aluno teria para seu uso um espelho, um pente fino e de alisar, uma escova de dentes, uma escova de fato (as três peças exteriores do vestuário do homem, calças, colete e casaco), uma escova para cabelos, uma tesoura para unhas e uma bacia para banho.
Os alunos que adoecessem, e fossem tratados no colégio, pagariam as despesas de médico e de botica (farmácia).
Além dos professores existentes, o Diretor “tem em vista contratar outros, que coadjuvem àqueles quando as circunstâncias o exigirem, para o que não poupará sacrifícios, como até agora tem feito”.
E, finalmente, o diretor informava que, desejando dedicar-se exclusivamente à instrução e educação dos alunos, encarregara a pessoas de reconhecida capacidade, “o regime econômico e a escrituração do colégio; bem como, uma longa prática no árduo exercício do magistério, o habilitava a esperar a concorrência e coadjuvação dos Srs. Pais de família, para a manutenção e prossecução [ato de prosseguir, continuar, etc.] deste útil, e importante estabelecimento”.
Portanto, o colégio estava franco para todas as pessoas decentes, que o quisessem visitar e verificar por si, as vantagens oferecidas.
O motivo do Colégio União ter prorrogado o início das aulas deu-se pela Ordem do “Exmo. Sr. presidente da Província”, que através do Inspetor da Junta de Higiene, Dr. França, determinou aos 9 de janeiro de 1856 que “fica proibido lecionar-se em todas as aulas e colégios, até segunda ordem”.


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¹ O “Sr. Castilho”, ao qual fez referência o diretor do Colégio União, é Antônio Feliciano de Castilho (1800-1875) que, em 1850, fez publicar com a denominação de Leitura repentina, o primeiro esboço do método, que não era, ainda então, mais do que a ampliação do método de LEMARE, ao idioma português, desenvolvido, ampliado, e melhorado consideravelmente. Já no decorrer do ano de 1853, foi publicada a segunda edição, com o título de Método Castilho, demonstrando, na Introdução, que a obra pelos novos fundamentos, ao mesmo tempo filosóficos e práticos em que se reconstruíra, já se podia e devia considerar nacional (vide outras informações sobre este tema na obra: Carta a um professor de Aldea sobre a leitura repentina. Lisboa; Typografhia de A. J. F. Lopes, 1853.). Em 1855, Antônio de Castilho veio ao Brasil para divulgar seu “Método de Alfabetização”.
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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 13 de janeiro de 2011.

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