sábado, 1 de outubro de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (27)*



AS DATAS SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

A. F. Monquelat
V. Marcolla


A Sesmaria do Alferes José Cardoso de Gusmão e outras passagens (parte 1)

A história que se conta, até então, no que diz respeito à presença do alferes José Cardoso de Gusmão nas terras de São Lourenço do Sul, é a de que foi o “primeiro proprietário residente”; e que este teria recebido carta régia de uma sesmaria de terras no ano de 1786. Porém, temos fortes razões para crer que haja alguma confusão quanto a tal afirmação; principalmente, se levarmos em conta que, aos 27 dias do mês de agosto de 1802, João Francisco Vieira Braga vendeu-lhe uma área de terras localizada entre o Logradouro Público e o arroio Pelotas. Área, esta, que o alferes José Cardoso de Gusmão, aos 15 dias do mês de setembro de 1808 transferiu a Boaventura Rodrigues Barcelos (GUTIERREZ, 2001, p. 125).
Um outro registro que queremos fazer aos escassos e pouco precisos dados sobre o Alferes, é o que este, pelo menos no ano de 1804, era charqueador.
Outro dado sobre José Cardoso de Gusmão é o de ser dito que: “Junto a José Cardoso de Gusmão, estabeleceu-se o Capitão Bernardo José Pereira, igualmente através de carta de sesmaria”; e, de que, “José Cardoso de Gusmão, por sua vez, entre 1807 e 1811, vendeu para João Francisco Vieira Braga, as Fazendas São João e Santa Isabel”. Ora, vimos que o lindeiro do capitão Bernardo José Pereira era João Cardoso de Gusmão; assim, como vimos também, que o proprietário das Fazendas São João e Santa Isabel era João Cardoso de Gusmão, que as teve, uma por Carta de Sesmaria, e a outra por compra feita ao testamenteiro do bacharel Firmiano José da Silva Falcão.
Vejamos, através das palavras do próprio Alferes, sua situação por volta da época em que fez compra da área de terras em Pelotas: “Diz o alferes José Cardoso de Gusmão, morador no Continente do Rio Grande, que ele, Suplicante, está vivendo em terras, de favor; e, porque na Serra dos Tapes e galhos do arroio do capitão Evaristo Pinto se acham terrenos de matos e faxinas devolutos, quer o Suplicante que V. Exª. lhe conceda meia légua de testada e uma de fundos; principiando sua testada [frente], onde finda a de João Pedroso [Bueno]; e daí, seguir o rumo do Sul, e em fundos para o Este, vindo assim a dividir-se pelo Leste, para onde faz testada com o doutor Firmiano José da Silva Falcão; e, pelo Este, para onde faz fundos com o capitão Manoel Gonçalves de Meireles; pelo Norte, com João Pedroso [Bueno]; e, pelo Sul, com as terras que pretende o capitão João Cardoso de Gusmão; por isso, pede a V. Exª., se digne conceder-lhe a meia légua de testada e uma de fundos, para a sua plantação e subsistência. E. R. Mercê”.
O requerimento de José Cardoso de Gusmão é provável que tenha sido encaminhado ao Vice-rei, por volta de inícios do ano de 1802, e teve o seguinte despacho: “Informe o Senhor Chefe de Esquadra e Governador, ouvindo, por escrito, a Câmara e o Procurador da Coroa. Rio, 15 de dezembro de 1802 [Rubrica]”.
Considerando as palavras do próprio alferes José Cardoso de Gusmão, de que até àquele pedido, estava “vivendo em terras [alheias e], de favor”, torna-se difícil acreditar que tivesse obtido carta régia de uma sesmaria de terras no ano de 1788, como é dito.
Bem, mas para o bom andamento e fiel cumprimento das formalidades legais, tratou o Alferes de providenciar a medição e demarcação das terras pretendidas; daí, “Diz o alferes José Cardoso de Gusmão, que ele requereu ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, o Vice-rei do Estado, por Sesmaria, meia légua de testada com uma légua de fundos na Serra dos Tapes, nos galhos do arroio denominado do Evaristo, principiando a sua testada, onde findou a medição de João Pedroso Bueno, e dali, seguir a dita testada ao rumo do Sul, e fundos a Oeste; e, porque mandando o dito Senhor [o Vice-rei], proceder nas informações do estilo, as não pôde o Suplicante obter, sem que por este Juízo as faça medir e demarcar judicialmente, conforme a Ordem do dito Senhor, dirigida à Câmara deste Continente, como consta da certidão anexa, em observância da qual, requer o Suplicante a Vossa Mercê, se sirva mandar proceder a medição judicial das ditas terras, nomeando, para isso, dia e Oficiais do Estilo, na qualidade de Juiz das Sesmarias, mandando proceder na medição requerida e, que se citem, para isso, os ereos confinantes sob pena de revelia, passando-se para tal Mandado. E receberá mercê”.

O Despacho do Juiz

Proceda-se na medição requerida, para a qual, designo o dia onze de março de mil oitocentos e dois; e, para sua medição, nomeio para Piloto a Vicente Ferreira de Souza; e, para ajudante da corda, Joaquim Barbosa, e que sejam citados os ereos, para o que, se passará Mandado”.

O Mandado de Citação dos Ereos
 
O capitão Thimoteo José de Carvalho, cidadão Juiz Ordinário das Sesmarias, com alçada no Cível e Crime, em todo este Continente do Rio Grande de São Pedro do Sul, por eleição na forma da Lei e etecétera: Mando, a qualquer Oficial de Justiça, a quem este for apresentado, que indo por mim assinado, procurem os ereos confinantes do Suplicante e os notifiquem para todo o conteúdo do requerimento retro, e que, cumpram. Dado e passado nesta Fazenda de São João Batista, aos dez de março de mil oitocentos e dois; e eu, Domingos José Marques Fernandes, Escrivão das Sesmarias, o escrevi”.
Entendemos aqui ser necessário uma observação quanto ao local onde o Juiz das Sesmarias disse ter firmado o documento: “Fazenda de São João Batista”. Bem, ao que parece, caso a Fazenda em referência fosse nas terras do alferes José Cardoso de Gusmão, como era de praxe, estaríamos diante de um homônimo da também denominada São João, de propriedade do capitão João Cardoso de Gusmão; o que explicaria o equívoco quanto à venda feita a João Francisco Vieira Braga. Por outro lado, levando em conta as palavras do Alferes, quando nos diz que estava “vivendo em terras [alheias e], de favor”, é possível que essas terras fossem na fazenda do capitão João Cardoso de Gusmão.

As Notificações dos Ereos, do Piloto e do Ajudante da Corda

Certifico eu, Escrivão abaixo assinado, ter notificado ao doutor Firmiano José da Silva Falcão; o capitão Manoel Gonçalves Meireles; o capitão João Cardoso de Gusmão e sua mulher, na pessoa dele, e a João Pedroso Bueno e sua mulher; o que eles bem entenderam, e dou fé. Assim como, notifiquei ao Piloto e ao Ajudante da corda, para receberem o juramento e darem cumprimento ao despacho retro [...].


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 02 de outubro de 2011.

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