terça-feira, 13 de dezembro de 2011

RIO PIRATINI: BERÇO DA INDÚSTRIA SALADEIRIL? (2ª)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Foi dito pelo Vice-rei, em ofício de 21 de julho de 1785, que há muitos anos junto ao Forte português de São Gonçalo (grifo nosso), se achavam alguns estabelecimentos portugueses; e, vimos também, através da correspondência enviada pelo primeiro comissário espanhol, coronel José Varela y Ulloa, ao comissário português, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, que nas proximidades do Forte de São Gonçalo, “achou três Charqueadas e quatro Estâncias, denominadas de Muniz, Cangas, Correa e Pinto e Ferreira, situadas umas e outras na margem meridional deste Rio [Piratini]”.
Quanto às Estâncias nominadas, não conseguimos localizar a de Cangas e tampouco saber quem era; já dos outros três estancieiros, seus pedidos de Carta de Sesmaria é o que foi encontrado.

A Sesmaria de Jerônimo Muniz

Por volta do ano de 1789, Jerônimo Muniz, em petição enviada ao Vice-rei do Brasil, disse ser morador no Continente do Rio Grande de São Pedro e que havia povoado uns campos nas caídas do Piratini, do erval para dentro, com casas, currais e mais de mil animais, entre vacuns e cavalares e que tais campos teriam três léguas de comprido e uma de largo, pouco mais ou menos; confrontando pelo Sul com a coxilha do dito erval; pelo Norte com um galho do Arroio do Piratini, que deslinda [divide] com o Capitão de Dragões, Fortunato Barbosa e o Furriel de Cavalaria Auxiliar, Joaquim Antônio de Oliveira; pelo Leste com um Arroio, que nasce do mencionado erval e deságua no Piratini; e, pelo Oeste com outro Arroio, que nasce da dita coxilha e divide as águas de uma e outra parte. E, porque o “Suplicante tem o peso de uma crescida família para sustentar, e não tem outro meio para o fazer”, senão com a produção de seus animais, portanto, pedia que lhe fosse concedida Carta de Sesmaria dos campos que estava de posse.
Com data de 9 de dezembro de 1790, o Vice-rei, desde o Rio de Janeiro, pede que o Governador do Rio Grande, depois de ouvir por escrito a Câmara e o Provedor da Fazenda Real, lhe informe a respeito do pedido de Jerônimo Muniz.
A solicitação feita pelo Vice-rei foi atendida pelo Governador, que, em 8 de julho de 1791, solicita à Câmara e ao Provedor, que venham com os seus informes.
A Câmara, em 15 de dezembro de 1792, baseada em certidão passada pelo capitão e engenheiro, José de Saldanha, certificou que o Suplicante se achava de posse do dito campo, “com licença do Brigadeiro Comandante, Rafael Pinto Bandeira, e que os referidos campos estavam dentro dos limites”.
O Provedor da Fazenda, Ignacio Ozorio, reportou-se a 18 de dezembro do mesmo ano, confirmando as informações dos Oficiais da Câmara.
À vista dos Informes dados pela Câmara e pelo Provedor da Fazenda, em 22 de abril de 1793, informou o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, que os campos pretendidos pelo Suplicante se achavam devolutos; mas, que não compreendiam as três léguas declaradas no requerimento, e sim “duas, cuja situação, por não exceder os limites das vertentes do Rio Piratini, julgo não servir de embaraço a que o Suplicante obtenha, de V. Exª., a graça dos referidos campos”.
O passe Carta, na forma das Ordens, foi dado pelo Vice-rei, Conde de Rezende, em 27 de agosto de 1796.

A Sesmaria de Francisco Correa Pinto

Em petição enviada à Corte no ano de 1789, Francisco Correa Pinto, Capitão de Cavalaria Auxiliar da Fronteira do Rio Grande, disse que por licença do “Senhor Brigadeiro Governador atual do mesmo Continente [José Marcelino de Figueiredo], povoou uns campos do outro lado do Piratini, que terão pouco mais ou menos uma légua de frente, ao Norte, que divide o rio Piratini; e, três léguas de fundo, que divide a palma só [?]; e, pelo Leste com terras que povoou o Porta Estandarte Pedro Fagundes; e pelo Oeste com campos povoados pelo Capitão Antônio Ferreira da Silva, com os quais divide uma vertente, que vem da pedra só [?], em cujos campos têm mais de quatro mil animais vacuns e cavalares”; e, porque os queria possuir com justos títulos de Sesmaria, pedia que lhe fosse concedida a graça na forma das Ordens de Sua Majestade.
Despachou o Vice-rei, que a Câmara e o Provedor da Fazenda Real do Rio Grande viessem com seus informes por escrito, desde o Rio de Janeiro em 23 de junho de 1789.
A Câmara, em 27 de janeiro de 1790, informou que o alegado pelo Suplicante estava certo.
O Provedor, Ignacio Ozorio, informou que o Suplicante estava nas terras referidas no requerimento, e as tinha povoado com animais e benfeitorias. “É o que posso informar. Porto Alegre, 4 de fevereiro de 1790”.
A Carta de Sesmaria de Francisco Correa Pinto foi concedida em 20 de setembro de 1790 e registrada no Livro de Registro Geral a fls. 45 do mesmo dia.

A Sesmaria de Antônio Ferreira da Silva

O capitão da Cavalaria Auxiliar da Fronteira do rio Grande, Antônio Ferreira da Silva, em petição encaminhada ao Vice-rei no ano de 1789, disse que, por licença do Brigadeiro e Governador atual do Continente [José Marcelino de Figueiredo], havia povoado uns campos “nas margens do Piratini, que terão pouco mais ou menos légua e meia de frente e três de fundo, com mil e quinhentos animais vacuns e cavalares; [tais campos] pelo Sul fazem a sua frente com o rio Piratini; pelo Norte partem com campos de José Inácio [Costa]; pelo Leste com Joaquim José [da Rocha]; e, pelo Oeste com Afonso Pereira Chaves, nos quais campos têm casas, lavouras e escravos. E porque os queria possuir com justos títulos de Sesmaria”, rogava que lhe fosse concedida tal graça, na forma das Ordens de S. Majestade.
O Vice-rei, em 30 de junho de 1789, pediu que a Câmara e o Provedor viessem com seus informes.
Informou a Câmara, em sessão de 26 de setembro do mesmo ano, “que o Suplicante está de posse dos campos, e neles têm seus animais”.
O Provedor, em 5 de novembro de 1789, informou que os campos pretendidos pelo Suplicante estavam povoados com animais e benfeitorias, o que havia sido comprovado naquela Provedoria.
Antônio Ferreira da Silva recebeu o “Passe Carta na forma das Ordens”, em 13 de abril de 1790.
Vimos, através dos pedidos de sesmaria feitos por 3 dos 4 estancieiros nominados no documento espanhol, outros nomes de sesmeiros confrontantes; desses, por ora, não nos ocuparemos.
Quanto às três charqueadas citadas no referido documento, não há qualquer indício quanto ao nome de seus proprietários. Sabemos apenas que eram pelo menos três e estavam localizadas na mesma margem: a margem meridional do Rio Piratini.
Considerando a época, é possível supor que das três charqueadas ali localizadas, a mais antiga fosse a de João Cardoso da Silva; pois, como logo veremos, João Cardoso estabeleceu sua charqueada na área das ruínas do Forte de São Gonçalo, distante uma légua e meia do Sangradouro da Mirim (ou São Gonçalo); área posteriormente solicitada por sesmaria, cujo requerente, Teodósio Pereira Jacome, tivera uma sociedade de charqueada com o próprio João Cardoso da Silva e que, segundo informações prestadas por autoridades naquele período, tais campos lhe couberam quando dissolvida a sociedade entre eles.
Acreditamos que a sociedade entre João Cardoso e Teodósio Pereira Jacome tenha acontecido já no início do estabelecimento da charqueada que ali tiveram; mas, isso não conseguimos documentar.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 11 de dezembro de 2011.

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