domingo, 25 de dezembro de 2011

JOSÉ PINTO MARTINS E SEUS IRMÃOS (Parte 1)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Concluímos a 3ª e última parte de nosso artigo anterior, “Rio Piratini: berço da indústria saladeiril?”, aventando a hipótese de, caso José Pinto Martins tivesse estabelecido sua charqueada no ano de 1780, à margem direita do Arroio Pelotas, teríamos, então, dois precursores e dois polos saladeiris: um fundado por João Cardoso da Silva na margem meridional do Rio Piratini e outro na margem direita do Arroio Pelotas.
No entanto, e desde há muito, suspeitávamos de que Pinto Martins não estava e tampouco esteve em Pelotas, entre os anos de 1777-80. Portanto, dada a falta de prova documental, não foi Pinto Martins o pioneiro da indústria saladeiril no Continente de São Pedro. Tal primazia, por ora, cabe a João Cardoso da Silva.
A saga dos irmãos João, Bernardo, José e Antônio Pinto Martins, no Brasil, teve início no ano de 1749.
Os irmãos Pinto Martins eram filhos de Catarina Martins e João Ferreira Pinto, homem de pouca instrução, “que deixara suas terras de origem na Freguesia de Santa Eulália de Passos para morar em Meixomil. Lá viveu das jornadas de seu trabalho que exercia como cavador de poços ou atendendo os termos da época, como mineiro d’agua” (grifo do Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior, autor do trabalho “De Família, Charque e Inquisição se fez a trajetória dos Pinto Martins (1749-1824)”, uma de nossas fontes para a feitura deste artigo).
O primeiro dos filhos do casal Catarina e João, a chegar ao novo mundo, foi o filho mais velho, João Pinto Martins (1739-1787). Chegou à nova terra com dez anos de idade (1749), pobre e sem parentes à sua espera.
Aos dezesseis anos (1755) casou, em Recife, com a cunhada do comerciante e fabricante de carnes secas, João Coelho Bastos, de quem logo se tornou sócio.
João enriqueceu e nessa condição mandou vir de Portugal o irmão Bernardo (1755-1787) que, logo depois de ter chegado ao Brasil, casou com a irmã da mulher do irmão.
Juntos, João e Bernardo ampliaram os negócios (de fazendas, charque e sal), estabelecendo uma rota comercial entre Aracati, Mossoró e Recife.

OS PINTO MARTINS: FAMILIARES DO SANTO OFÍCIO

Vieira Jr., apoiado em diversos outros autores e fontes, nos diz que os familiares eram uma espécie de milícia voluntária à disposição do Santo Ofício e que “na prática eram espiões que tinham a competência potencializada não em ações concretas, mas no clima de vigilância que era criado a partir de suas nomeações”.
Diz-nos, também, Vieira Jr., que “O pedido para nomeação como Familiar do Santo Ofício era passo importante, trilhado por tantos outros comerciantes, incluindo os três irmãos de José [Pinto Martins]. E se efetivava como forma de promoção social, principalmente utilizada por membros de uma elite comercial lusitana [...]”.
Quanto ao Brasil, o perfil dos candidatos a Familiares do Santo Ofício era, “em geral, de comerciantes que originalmente pertenciam a segmentos sociais com poucos recursos e que posteriormente acumularam fortuna em terras brasileiras”. Assim como tantos, os irmãos Pinto Martins se encaixavam perfeitamente nesse perfil.
Segundo Vieira Jr., João fez seu pedido de habilitação no dia 01 de fevereiro de 1774, e Bernardo registrou sua habilitação em 11 de abril 1781.

UMA TRAGÉDIA NA CASA DOS PINTO MARTINS

Em seu “Registro de Memória dos Principais Estabelecimentos, Fatos e Casos Raros Acontecidos” na Vila de Santa Cruz do Aracati, feita segundo a “Ordem de S. M., de 27 de julho de 1782”, diz-nos o vereador Manoel Esteves de Almeida que, dentre os inúmeros escravos do capitão-mor João Pinto Martins e de seu irmão Bernardo, havia um negro de nome Francisco, casado com uma escrava dos mesmos Senhores que, certa noite, por ciúmes, com duas facadas matou a mulher.
Bernardo, acudindo aos gritos da escrava, foi em seu socorro e acabou sendo esfaqueado por Francisco, vindo a morrer poucos dias depois.
Ainda naquela mesma noite, o escravo invadiu a casa e esfaqueou o sobrinho de Bernardo e uma índia pequena.
A notícia da tragédia logo se espalhou pela Vila, fazendo com que um grupo de moradores para o local se dirigisse e cercasse o escravo que, acuado e desesperado, “meteu a faca em seu próprio corpo, de sorte, que lhe fez um horroroso talho em cima do umbigo, e logo saltaram os intestinos fora; e não satisfeito com este mal, passara a faca à goela, cortando-a [...]”.
Essa tragédia aconteceu no ano de 1787, ano em que também morre o irmão mais velho, João.
Para Vieira Jr., após as mortes de João e Bernardo (1787), é provável que as famílias das esposas tenham encerrado os negócios no Ceará.
Entende Vieira Jr. que outro ponto a ser destacado “a partir da análise das habilitações de José Pinto Martins e de seus irmãos”, que ajudaria a explicar como um filho de mineiro d’agua em Portugal, “se transformou em rico comerciante no Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Sul” é a “montagem de estratégias que envolviam a articulação e o apoio mútuo entre os irmãos”.

O PEDIDO (1781) E A CONFIRMAÇÃO (1789) DE JOSÉ PINTO MARTINS COMO FAMILIAR DO SANTO OFÍCIO

É possível que o pedido de José Pinto Martins como Familiar do Santo Ofício tenha ocorrido entre os meses de janeiro e fevereiro de 1781.
Em um dos dois requerimentos feitos por José Pinto Martins à Rainha, disse viver de seu negócio, ser natural da freguesia de S. Salvador de Meixomil, lugar das Portas, Comarca de Penafiel, Bispado do Porto, morador na Vila do Recife de Pernambuco e que ele, Suplicante, “deseja servir ao Santo Ofício no cargo de Familiar, havendo V. Majestade, por bem, conferir-lhe a dita graça, mandando se lhe faça as diligências do estilo”.
Ao pé da petição há uma declaração, na qual Pinto Martins diz ser irmão germano (O que procedeu do mesmo pai e da mesma mãe. Fig. Verdadeiro; puro) de João Pinto Martins, “Familiar do Santo Ofício”.
Os despachos dados, aos dois pedidos, foi o mesmo: “Depositando o Suplicante, os Inquisidores de Lisboa informem com o seu parecer”. O primeiro despacho tem a data de 27 de abril de 1781 e o outro com a data de 8 de maio de 1781.
Dando continuidade ao processo aberto, vê-se, logo a seguir, uma certidão assinada por Manoel Correa Xavier, Notário do Santo Ofício “desta Inquisição” de Coimbra, na qual dizia que o Promotor, “provendo os reportórios, neles não aclaram delito de culpa alguma a José Pinto Martins [...]”, 14 de maio de 1781.
Igual declaração e informação foi prestada por José Lopes, Notário de Évora, e o Promotor Manoel Fragoso em 18 de maio de 1781.


Continua...

____________________________________________
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 25 de dezembro de 2011.

Nenhum comentário: