A.
F. Monquelat
V.
Marcolla
Concluímos
a 3ª e última parte de nosso artigo anterior, “Rio
Piratini: berço da indústria saladeiril?”,
aventando a hipótese de, caso José Pinto Martins tivesse
estabelecido sua charqueada no ano de 1780, à margem direita do
Arroio Pelotas, teríamos, então, dois precursores e dois polos
saladeiris: um fundado por João Cardoso da Silva na margem
meridional do Rio Piratini e outro na margem direita do Arroio
Pelotas.
No
entanto, e desde há muito, suspeitávamos de que Pinto Martins não
estava e tampouco esteve em Pelotas, entre os anos de 1777-80.
Portanto, dada a falta de prova documental, não foi Pinto Martins o
pioneiro da indústria saladeiril no Continente de São Pedro. Tal
primazia, por ora, cabe a João Cardoso da Silva.
A
saga dos irmãos João, Bernardo, José e Antônio Pinto Martins, no
Brasil, teve início no ano de 1749.
Os
irmãos Pinto Martins eram filhos de Catarina Martins e João
Ferreira Pinto, homem de pouca instrução, “que deixara suas
terras de origem na Freguesia de Santa Eulália de Passos para morar
em Meixomil. Lá viveu das jornadas de seu trabalho que exercia como
cavador de poços ou atendendo os termos da época, como mineiro
d’agua”
(grifo do Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior, autor do trabalho “De
Família, Charque e Inquisição se fez a trajetória dos Pinto
Martins (1749-1824)”,
uma de nossas fontes para a feitura deste artigo).
O
primeiro dos filhos do casal Catarina e João, a chegar ao novo
mundo, foi o filho mais velho, João Pinto Martins (1739-1787).
Chegou à nova terra com dez anos de idade (1749), pobre e sem
parentes à sua espera.
Aos
dezesseis anos (1755) casou, em Recife, com a cunhada do comerciante
e fabricante de carnes secas, João Coelho Bastos, de quem logo se
tornou sócio.
João
enriqueceu e nessa condição mandou vir de Portugal o irmão
Bernardo (1755-1787) que, logo depois de ter chegado ao Brasil, casou
com a irmã da mulher do irmão.
Juntos,
João e Bernardo ampliaram os negócios (de fazendas, charque e sal),
estabelecendo uma rota comercial entre Aracati, Mossoró e Recife.
OS
PINTO MARTINS: FAMILIARES DO SANTO OFÍCIO
Vieira
Jr., apoiado em diversos outros autores e fontes, nos diz que os
familiares eram uma espécie de milícia voluntária à disposição
do Santo Ofício e que “na prática eram espiões que tinham a
competência potencializada não em ações concretas, mas no clima
de vigilância que era criado a partir de suas nomeações”.
Diz-nos,
também, Vieira Jr., que “O pedido para nomeação como Familiar do
Santo Ofício era passo importante, trilhado por tantos outros
comerciantes, incluindo os três irmãos de José [Pinto Martins]. E
se efetivava como forma de promoção social, principalmente
utilizada por membros de uma elite comercial lusitana [...]”.
Quanto
ao Brasil, o perfil dos candidatos a Familiares do Santo Ofício era,
“em geral, de comerciantes que originalmente pertenciam a segmentos
sociais com poucos recursos e que posteriormente acumularam fortuna
em terras brasileiras”. Assim como tantos, os irmãos Pinto Martins
se encaixavam perfeitamente nesse perfil.
Segundo
Vieira Jr., João fez seu pedido de habilitação no dia 01 de
fevereiro de 1774, e Bernardo registrou sua habilitação em 11 de
abril 1781.
UMA
TRAGÉDIA NA CASA DOS PINTO MARTINS
Em
seu “Registro
de Memória dos Principais Estabelecimentos, Fatos e Casos Raros
Acontecidos”
na Vila de Santa Cruz do Aracati, feita segundo a “Ordem de S. M.,
de 27 de julho de 1782”, diz-nos o vereador Manoel Esteves de
Almeida que, dentre os inúmeros escravos do capitão-mor João Pinto
Martins e de seu irmão Bernardo, havia um negro de nome Francisco,
casado com uma escrava dos mesmos Senhores que, certa noite, por
ciúmes, com duas facadas matou a mulher.
Bernardo,
acudindo aos gritos da escrava, foi em seu socorro e acabou sendo
esfaqueado por Francisco, vindo a morrer poucos dias depois.
Ainda
naquela mesma noite, o escravo invadiu a casa e esfaqueou o sobrinho
de Bernardo e uma índia pequena.
A
notícia da tragédia logo se espalhou pela Vila, fazendo com que um
grupo de moradores para o local se dirigisse e cercasse o escravo
que, acuado e desesperado, “meteu a faca em seu próprio corpo, de
sorte, que lhe fez um horroroso talho em cima do umbigo, e logo
saltaram os intestinos fora; e não satisfeito com este mal, passara
a faca à goela, cortando-a [...]”.
Essa
tragédia aconteceu no ano de 1787, ano em que também morre o irmão
mais velho, João.
Para
Vieira Jr., após as mortes de João e Bernardo (1787), é provável
que as famílias das esposas tenham encerrado os negócios no Ceará.
Entende
Vieira Jr. que outro ponto a ser destacado “a partir da análise
das habilitações de José Pinto Martins e de seus irmãos”, que
ajudaria a explicar como um filho de mineiro
d’agua
em Portugal, “se transformou em rico comerciante no Ceará,
Pernambuco e Rio Grande do Sul” é a “montagem de estratégias
que envolviam a articulação e o apoio mútuo entre os irmãos”.
O
PEDIDO (1781) E A CONFIRMAÇÃO (1789) DE JOSÉ PINTO MARTINS COMO
FAMILIAR DO SANTO OFÍCIO
É
possível que o pedido de José Pinto Martins como Familiar do Santo
Ofício tenha ocorrido entre os meses de janeiro e fevereiro de 1781.
Em
um dos dois requerimentos feitos por José Pinto Martins à Rainha,
disse viver de seu negócio, ser natural da freguesia de S. Salvador
de Meixomil, lugar das Portas, Comarca de Penafiel, Bispado do Porto,
morador na Vila do Recife de Pernambuco e que ele, Suplicante,
“deseja servir ao Santo Ofício no cargo de Familiar, havendo V.
Majestade, por bem, conferir-lhe a dita graça, mandando se lhe faça
as diligências do estilo”.
Ao
pé da petição há uma declaração, na qual Pinto Martins diz ser
irmão germano (O que procedeu do mesmo pai e da mesma mãe. Fig.
Verdadeiro;
puro) de João Pinto Martins, “Familiar do Santo Ofício”.
Os
despachos dados, aos dois pedidos, foi o mesmo: “Depositando o
Suplicante, os Inquisidores de Lisboa informem com o seu parecer”.
O primeiro despacho tem a data de 27 de abril de 1781 e o outro com a
data de 8 de maio de 1781.
Dando
continuidade ao processo aberto, vê-se, logo a seguir, uma certidão
assinada por Manoel Correa Xavier, Notário do Santo Ofício “desta
Inquisição” de Coimbra, na qual dizia que o Promotor, “provendo
os reportórios, neles não aclaram delito de culpa alguma a José
Pinto Martins [...]”, 14 de maio de 1781.
Igual
declaração e informação foi prestada por José Lopes, Notário de
Évora, e o Promotor Manoel Fragoso em 18 de maio de 1781.
Continua...
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Nota:
Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente
atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 25 de dezembro de 2011.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 25 de dezembro de 2011.
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