A. F. Monquelat
V. Marcolla
As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul
Entre o Charquear e o Estabelecimento das
Charqueadas (final)
Em 11 de fevereiro de 1780, o Provedor da Fazenda Real,
Ignacio Ozorio Vieira, através de Ofício, informa ao Vice-rei das
medidas adotadas pelo Governador. Embora de redação bastante
confusa, deixa-nos a impressão de que as medidas e práticas
adotadas pelo Governador não iam de encontro ao que até então
vinha sendo praticado; e que tal atitude, obrigava-o “e a Câmara,
a responder aos seus despachos, para com o último dele, requerem a
V. Exª. sesmarias; e porque, da novidade deste procedimento, tem
havido grande confusão nestes moradores; [...]”.
Encerrando o ofício, diz o Provedor que “Agora,
proximamente chegando algumas petições, despachadas por V. Exª.,
para os informes do estilo a respeito de terras devolutas, o dito
Governador mandou lançar um Bando, a som de caixa, do qual remeto a
V. Exª. a cópia, para determinar o que for servido. [...]”.
Não é nossa proposta de trabalho examinar as ações
do governador José Marcelino de Figueiredo; pois tal, nos levaria
por caminhos distintos e que, por ora, não vem ao caso. De qualquer
forma, grosso modo, podemos dizer que suas atitudes e determinações
foram contrárias aos interesses dos poderosos senhores de terras do
Continente; dentre estes, Rafael Pinto Bandeira, que acabou levando a
melhor; pois, José Marcelino, em abril de 1780, foi destituído do
cargo de governador.
Com a vinda do novo governador, Sebastião Xavier da
Veiga Cabral da Câmara, e suas ações nos campos “denominados das
Pelotas”, principalmente no “Rincão de Ignacio Antonio da
Silveira”, posteriormente denominado de Sesmaria do Monte Bonito, é
que vão determinar o surgimento da urbe de Pelotas.
Entendemos que a cidade de Pelotas deve sua antecipada
existência a dois fatos: o primeiro, provocado pela diáspora quando
da invasão e ocupação de parte do Continente, por Don Pedro de
Cevallos e suas forças; o outro, da necessidade que teve o
governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, de assentar
as 84 famílias dos “Cazaes”.
Para melhor compreensão do assentamento
feito pelo Governador, sugerimos a leitura de nosso artigo, “Pelotas:
origem da urbe”, publicado no Diário da
Manhã, em 07.07.2010.
Das 84 famílias, 20 foram assentadas na Sesmaria do
Monte Bonito, da qual o Governador depois de mandá-la medir e saber
que a mesma tinha cinco léguas e um terço, “das quais três e
meia ficaram ao dito Ignacio Antonio e o resto foi repartido pelos
vinte Cazaes”.
Visto isto, podemos, através destes fatos, especular
quanto ao surgimento do pólo saladeiril de Pelotas, no que tange às
charqueadas localizadas às margens do Arroio Pelotas; mas não, sem
antes esclarecermos que, embora 64 Cazaes tinham sido assentados nas
terras do capitão-mor Manoel Bento da Rocha, estes Cazaes ali
permaneceram por um breve período; pois, logo tratou Bento da Rocha,
com a permissão do Governador, de transferi-los para outras terras,
também pertencentes a ele. Transferência esta, que veremos no
capítulo “Manoel Bento da Rocha: o Senhor das Sesmarias”.
Bem, voltando à Sesmaria do Monte Bonito ou Fazenda do
Monte Bonito ou Estância do Monte Bonito, agora, também ocupada por
vinte Cazaes, separada uma de outros, “por meia légua das sobras,
concedida para Logradouro Público”; meia légua esta, “que
iniciava na margem direita do Arroio de Santa Bárbara”, nos
perguntamos: onde estava José Pinto Martins e sua primitiva
charqueada, mola propulsora do surgimento da cidade?
Insistimos na pergunta: onde estava José Pinto Martins,
e sua primitiva charqueada?
Embora não haja prova documental alguma sobre a
presença do charqueador José Pinto Martins, nos anos em que dizem
ter ele instalado sua charqueada, 1779-1780, vamos admitir que tal
tenha ocorrido. Aí, podemos trabalhar com duas hipóteses: a
primeira, é a de que houvesse se arranchado, por favor ou
arrendamento, nas terras do capitão Ignacio Antonio da Silveira
(Fazenda do Monte Bonito), e ali instalado sua charqueada; a outra,
menos provável, é a de que tenha se instalado no local destinado
para Logradouro Público.
Que José Pinto Martins esteve entre nós, não há
dúvida alguma. A pergunta é, desde quando e onde?
Para que a atividade do charqueador José Pinto Martins,
entre homens acostumados a charquear, fosse notória, era necessário
que o charque tivesse importância econômica para o Continente e
despertasse o interesse da Coroa, o que não tinha e não havia. E
menos ainda, nos anos de 1779, 1780, 1781 e etecétera.
Várias são as razões que determinaram a demora no
surgimento do pólo saladeiril, que veio a ser formado em Pelotas,
dentre elas a escassez de sal e a falta de um mercado consumidor
interno em larga escala.
O primeiro sinal da presença de Pinto Martins no
Continente de São Pedro, nos parece ter sido o por nós apontado,
quando da publicação do artigo “Apontamentos para uma história
do charque no Continente de São Pedro”, de nº 12, onde o
encontramos em 1º de outubro de 1796, assinando, junto a outros
moradores do Continente, uma Representação a Sua Majestade clamando
por sal, para que pudessem praticar as suas charqueações.
Cremos, e já o dissemos “que somente por volta do
final do Século XVIII é que o charque passa a despertar o interesse
da Metrópole”. E que, “A indústria do charque deve grande parte
do seu desenvolvimento e estímulo, sem dúvida alguma, ao governador
rio-grandense Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, que
despendeu muitos esforços em prol da produção e comércio de
carnes salgadas, bem antes da recomendação feita pelo encarregado
do comando da Esquadra da América, Donald Campbell, à coroa
portuguesa” (MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Da importância do Governador, no estímulo e produção
de charque no Continente, nos diz o Vice-rei, conde de Rezende, em 20
de novembro de 1800, em ofício enviado à Sebastião Xavier da Veiga
Cabral da Câmara: “Ainda estando bem persuadido dos esforços que
V. Exª. tem feito e continua a fazer para pôr em uma sólida e
permanente consistência o estabelecimento das carnes salgadas”
(MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Dissemos, anteriormente, que ao governador Sebastião da
Câmara deve Pelotas a sua antecipada existência; pois, não fosse
sua atitude de assentar os 20 Cazaes nas terras que deram origem ao
polo saladeiril de maior importância, Pelotas teria continuado
apenas com suas atividades agro-pastoris. E é, como se pode ver,
novamente ao governador Câmara e seu empenho no desenvolvimento da
indústria do charque, que deve Pelotas o seu rápido desenvolvimento
e crescimento econômico.
Continua...
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Nota:
Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos
autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 22 de janeiro de 2012.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 22 de janeiro de 2012.
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