segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O POVOAMENTO DE PELOTAS (37)*

A. F. Monquelat
V. Marcolla

As Datas e Sesmarias na Serra dos Tapes e São Lourenço do Sul

Entre o Charquear e o Estabelecimento das Charqueadas (final)

Em 11 de fevereiro de 1780, o Provedor da Fazenda Real, Ignacio Ozorio Vieira, através de Ofício, informa ao Vice-rei das medidas adotadas pelo Governador. Embora de redação bastante confusa, deixa-nos a impressão de que as medidas e práticas adotadas pelo Governador não iam de encontro ao que até então vinha sendo praticado; e que tal atitude, obrigava-o “e a Câmara, a responder aos seus despachos, para com o último dele, requerem a V. Exª. sesmarias; e porque, da novidade deste procedimento, tem havido grande confusão nestes moradores; [...]”.
Encerrando o ofício, diz o Provedor que “Agora, proximamente chegando algumas petições, despachadas por V. Exª., para os informes do estilo a respeito de terras devolutas, o dito Governador mandou lançar um Bando, a som de caixa, do qual remeto a V. Exª. a cópia, para determinar o que for servido. [...]”.
Não é nossa proposta de trabalho examinar as ações do governador José Marcelino de Figueiredo; pois tal, nos levaria por caminhos distintos e que, por ora, não vem ao caso. De qualquer forma, grosso modo, podemos dizer que suas atitudes e determinações foram contrárias aos interesses dos poderosos senhores de terras do Continente; dentre estes, Rafael Pinto Bandeira, que acabou levando a melhor; pois, José Marcelino, em abril de 1780, foi destituído do cargo de governador.
Com a vinda do novo governador, Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, e suas ações nos campos “denominados das Pelotas”, principalmente no “Rincão de Ignacio Antonio da Silveira”, posteriormente denominado de Sesmaria do Monte Bonito, é que vão determinar o surgimento da urbe de Pelotas.
Entendemos que a cidade de Pelotas deve sua antecipada existência a dois fatos: o primeiro, provocado pela diáspora quando da invasão e ocupação de parte do Continente, por Don Pedro de Cevallos e suas forças; o outro, da necessidade que teve o governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, de assentar as 84 famílias dos “Cazaes”.
Para melhor compreensão do assentamento feito pelo Governador, sugerimos a leitura de nosso artigo, “Pelotas: origem da urbe”, publicado no Diário da Manhã, em 07.07.2010.
Das 84 famílias, 20 foram assentadas na Sesmaria do Monte Bonito, da qual o Governador depois de mandá-la medir e saber que a mesma tinha cinco léguas e um terço, “das quais três e meia ficaram ao dito Ignacio Antonio e o resto foi repartido pelos vinte Cazaes”.
Visto isto, podemos, através destes fatos, especular quanto ao surgimento do pólo saladeiril de Pelotas, no que tange às charqueadas localizadas às margens do Arroio Pelotas; mas não, sem antes esclarecermos que, embora 64 Cazaes tinham sido assentados nas terras do capitão-mor Manoel Bento da Rocha, estes Cazaes ali permaneceram por um breve período; pois, logo tratou Bento da Rocha, com a permissão do Governador, de transferi-los para outras terras, também pertencentes a ele. Transferência esta, que veremos no capítulo “Manoel Bento da Rocha: o Senhor das Sesmarias”.
Bem, voltando à Sesmaria do Monte Bonito ou Fazenda do Monte Bonito ou Estância do Monte Bonito, agora, também ocupada por vinte Cazaes, separada uma de outros, “por meia légua das sobras, concedida para Logradouro Público”; meia légua esta, “que iniciava na margem direita do Arroio de Santa Bárbara”, nos perguntamos: onde estava José Pinto Martins e sua primitiva charqueada, mola propulsora do surgimento da cidade?
Insistimos na pergunta: onde estava José Pinto Martins, e sua primitiva charqueada?
Embora não haja prova documental alguma sobre a presença do charqueador José Pinto Martins, nos anos em que dizem ter ele instalado sua charqueada, 1779-1780, vamos admitir que tal tenha ocorrido. Aí, podemos trabalhar com duas hipóteses: a primeira, é a de que houvesse se arranchado, por favor ou arrendamento, nas terras do capitão Ignacio Antonio da Silveira (Fazenda do Monte Bonito), e ali instalado sua charqueada; a outra, menos provável, é a de que tenha se instalado no local destinado para Logradouro Público.
Que José Pinto Martins esteve entre nós, não há dúvida alguma. A pergunta é, desde quando e onde?
Para que a atividade do charqueador José Pinto Martins, entre homens acostumados a charquear, fosse notória, era necessário que o charque tivesse importância econômica para o Continente e despertasse o interesse da Coroa, o que não tinha e não havia. E menos ainda, nos anos de 1779, 1780, 1781 e etecétera.
Várias são as razões que determinaram a demora no surgimento do pólo saladeiril, que veio a ser formado em Pelotas, dentre elas a escassez de sal e a falta de um mercado consumidor interno em larga escala.
O primeiro sinal da presença de Pinto Martins no Continente de São Pedro, nos parece ter sido o por nós apontado, quando da publicação do artigo “Apontamentos para uma história do charque no Continente de São Pedro”, de nº 12, onde o encontramos em 1º de outubro de 1796, assinando, junto a outros moradores do Continente, uma Representação a Sua Majestade clamando por sal, para que pudessem praticar as suas charqueações.
Cremos, e já o dissemos “que somente por volta do final do Século XVIII é que o charque passa a despertar o interesse da Metrópole”. E que, “A indústria do charque deve grande parte do seu desenvolvimento e estímulo, sem dúvida alguma, ao governador rio-grandense Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, que despendeu muitos esforços em prol da produção e comércio de carnes salgadas, bem antes da recomendação feita pelo encarregado do comando da Esquadra da América, Donald Campbell, à coroa portuguesa” (MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Da importância do Governador, no estímulo e produção de charque no Continente, nos diz o Vice-rei, conde de Rezende, em 20 de novembro de 1800, em ofício enviado à Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara: “Ainda estando bem persuadido dos esforços que V. Exª. tem feito e continua a fazer para pôr em uma sólida e permanente consistência o estabelecimento das carnes salgadas” (MONQUELAT & MARCOLLA, DM, 22.08.2010, p. 13).
Dissemos, anteriormente, que ao governador Sebastião da Câmara deve Pelotas a sua antecipada existência; pois, não fosse sua atitude de assentar os 20 Cazaes nas terras que deram origem ao polo saladeiril de maior importância, Pelotas teria continuado apenas com suas atividades agro-pastoris. E é, como se pode ver, novamente ao governador Câmara e seu empenho no desenvolvimento da indústria do charque, que deve Pelotas o seu rápido desenvolvimento e crescimento econômico.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 22 de janeiro de 2012.

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